quinta-feira, 11 de março de 2010
Um comunista na mira dos ambientalistas
Acusado por ONGs de estar alinhado aos ruralistas, Aldo Rebelo diz que essas organizações sofrem pressão internacional dos países aonde estão suas sedes
Aldo Rebelo, relator do Código Florestal: algumas ONGs ambientais atendem a interesses estrangeiros
Renata Camargo - Congresso em Foco
O deputado comunista Aldo Rebelo (PCdoB-SP) nunca esteve diretamente envolvido com as questões do meio ambiente, mas tem agora o desafio de elaborar um relatório para tratar de mudanças profundas na legislação ambiental. Aldo é relator da comissão especial que altera o Código Florestal brasileiro e pretende apresentar o parecer até o final de março.
Em entrevista ao Congresso em Foco, Aldo Rebelo adiantou as principais tendências de seu relatório. Acusado por ambientalistas de atender interesses ruralistas, o parlamentar paulista diz que ainda não tem definido os pontos mais polêmicos da proposta. Aldo prefere falar em um parecer “compatível com a realidade do país” e sinaliza que manter a reserva legal dentro da pequena propriedade é “inviável”.
O comunista avisa que as áreas agrícolas consolidadas devem ser prioritariamente mantidas e que é preciso envolver os estados e municípios na política ambiental no país. Aldo, no entanto, ressaltou que ficará atento às áreas essenciais à preservação do meio ambiente e que tem ciência de que os estados e municípios não estão preparados para uma brusca estadualização da legislação ambiental, como pretendem os ruralistas.
Em relação à participação de ambientalistas neste processo de mudança e construção do relatório, Aldo Rebelo afirma que alguns ambientalistas têm ajudado. Mas outros, afirma o deputado, “mais confundem do que esclarecem”, porque fazem parte de ONGs que “sofrem interferência dos países onde tem as suas cedes”.
O parlamentar falou também que, em seu relatório, não haverá medidas específicas para tratar sobre a preservação do meio ambiente nas cidades. Desonerar os produtores rurais e adotar medidas específicas para responsabilizar as cidades pela degradação do meio ambiente tem sido a principal bandeira dos ruralistas para justificar a necessidade de mudanças na legislação ambiental.
Leia abaixo a entrevista de Aldo Rebelo:
CONGRESSO EM FOCO - Qual o principal desafio na elaboração do relatório de mudanças na legislação ambiental?
ALDO REBELO - O código, com as modificações profundas ao longo desses 44 anos, tornou-se impraticável, porque altera de tal forma a estrutura de produção e da propriedade da terra no país, que promoveria uma contra-reforma agrária. Os pequenos proprietários não teriam como atender as exigências da lei e teriam que se desfazer de suas propriedades. Os estados com agricultura mais forte – como São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul – teriam um redução drástica do número de propriedades e das áreas cultivadas. Então, é preciso encontrar uma solução para esses impasses. Como compatibilizar na lei a preocupação com o meio ambiente – que é uma preocupação irrenunciável, não tem como a legislação ambiental no Brasil renunciar a essa preocupação –, mas, ao mesmo tempo, como proteger a agricultura, a pecuária, a infraestrutura, a aspiração ao desenvolvimento. Se você excluir uma dessas duas expectativas, você não consegue uma lei compatível com a realidade do país. Precisa proteger a agricultura, o meio ambiente e o desenvolvimento do país.
Em seu relatório, as áreas consolidadas serão mantidas?
As áreas consolidadas devem ser prioritariamente mantidas. Porque essas áreas foram consolidadas, inclusive, com o estímulo e incentivo do Estado. As pessoas ocuparam essas áreas e plantaram, em alguns casos, até como condição para ter acesso ao crédito, para receber o título da propriedade. Isso não só na época da ditadura, mas também mais recentemente. A questão é que você tem que distinguir nas áreas consolidadas quais são as áreas essenciais à preservação do meio ambiente, principalmente as áreas de preservação permanente (APPs). E, dentro dessas áreas, a que se destina a proteger os recursos naturais, como a água. Essas áreas têm que ser consideradas essenciais. Então, mesmo dentro de propriedades, elas têm que ser protegidas. Não há como dizer que o conceito de área consolidada é absoluto. Não se pode considerar área consolidada, aquela que atinge a sobrevivência do curso d’água e suas nascentes. Já área de topo de morro e encostas, isso têm que ser feito com muito critério, porque senão você vai prejudicar profundamente setores produtivos importantes, como o café em Minas Gerais e a maçã em Santa Catarina. Tudo isso tem que ser observado com critério e razoabilidade, para proteger, mas não prejudicar a produção.
Como ficará a reserva legal em seu relatório? Esse conceito será suprimido?
No caso da reserva legal, tem que levar em conta como se vai fazer essa reserva. O conceito de reserva legal por propriedade é muito contestado tecnicamente. Você pode então recorrer ao conceito por bioma, bacia, microbacia. Isso é um caso a ser estudado. Dentro da pequena propriedade, reserva legal é inviável. Dentro da pequena, cabe apenas a área de preservação permanente. Reserva florestal em pequena propriedade é algo cuja funcionalidade é muito contestada, principalmente pela engenharia florestal. Porque ela não tem função biológica, de reprodução, de fauna, de flora. O que tem função é o corredor biológico, ou seja, uma área de reserva contínua. Que não acontece com a reserva legal em pequena propriedade, porque elas ficam como partes isoladas.
No ano passado, o Ministério do Meio Ambiente fez diversos acordos com os pequenos produtores no sentido de buscar a regularização ambiental desse setor. Como o senhor avalia esses acordos?
Os pequenos e médios proprietários são os mais onerados pelo impacto da legislação ambiental. São os mais atingidos pelas multas, os que mais sofrem embargo, porque não fizeram a averbação da área e não têm recurso para fazer a recomposição da reserva legal ou da mata ciliar. Então, os acordos, na verdade, não resolveram os problemas da agricultura familiar e da pequena agricultura, de uma agricultura que é pouco intensiva em capital e tecnologia, de uma agricultura semi-capitalista ou pré-capitalista, que cumpre uma função social muito grande para manter o homem na terra, mas que não tem economicamente grande relevância. Essa agricultura é muito vulnerável. E, pela atual legislação, o risco que se corre é dela servir de reserva legal para a agricultura mais forte, pela compensação. O proprietário que já tem uma área ocupada adquire outra área para compensar a reserva legal que ele não tem. Esses acordos não foram suficientes. Tanto que o presidente teve que adiar o decreto de crimes ambientais e a pressão para adiar veio da média e da pequena propriedade.
O senhor tem dito que o estado de São Paulo tem mais resistência a cumprir os 20% de reserva legal estabelecidos na lei, do que a Amazônia os 80%. O que isso representa?
O que acontece é que o estado do Amazonas tem 98% de floresta nativa, com 1,6 milhão km². O estado de São Paulo, com 240 mil km², não sei se chega a 10%. Portanto, o estado do Amazonas terá muito menos dificuldade de aceitar os 80% do que São Paulo se desfazer de uma área grande de produção para preencher os 20%. É preciso levar em conta que temos um problema em estados como São Paulo, Paraná e Santa Catarina. Não é fácil nem para os produtores nem para o estado renunciar a uma área importante de produção, porque isso é emprego, é renda, é tributo. É preciso ter cautela para resolver esse problema. É preciso pensar no problema que você causa, em decorrência do problema que você resolve. Qual a lógica de resolver um problema ambiental e criar um problema social grave de desemprego, de redução da produção de alimentos, de encarecimentos do custo do alimento? As pessoas têm soluções aparentemente fáceis. Dizem que tem que mudar a matriz tecnológica da agricultura. Mas isso custa dinheiro. E aí? Se não tem tecnologia avançada, tem que se desfazer da sua terra e ir para a periferia da cidade? Isso não é solução. É uma solução aparente e abstrata que não se encaixa na realidade. Temos que partir da realidade e dos fatos.
Nesse contexto, como será tratada a questão da estadualização da legislação ambiental?
Essa também é uma solução aparentemente simples e fácil. Você fortalece o pacto federativo, entrega aos estados uma atribuição importante. Mas quantos estados estão aparelhados com secretarias de meio ambiente, tecnicamente capacitadas para fazer o zoneamento ecológico-econômico e com um corpo técnico capaz de promover esse trabalho? Acho que é preciso levar em conta o papel dos estados. É inconcebível achar que de Brasília vamos dar conta de resolver os problemas de meio ambiente do Amazonas ao Rio Grande do Sul. Você tem que dar atribuições aos estados, aos municípios, mas tem que fazer com critério. Quantos municípios no Brasil, por exemplo, têm secretaria do meio ambiente? Acredito que nem 10%. Como receber atribuição sem estar capacitado para isso? O que sei é que sem estados e municípios, os problemas ambientais não vão ser resolvidos. Achar que o Ibama vai resolver isso aqui de Brasília é uma pretensão muito grande. Tem que formar um sistema que integre na política ambiental o estado e o município. Mas as pessoas resistem a isso, porque centralizar dá mais poder. O problema é que você não tem capacidade de execução. Será que as pessoas vão aceitar o desafio de ceder parcela do seu poder e atribuições para que o sistema funcione?
Como está a participação dos ambientalistas na construção desse relatório?
Eles têm dado suas sugestões... Eles têm feito contestações, porque acham que o código é intocável, como se não tivesse sido tocado nos últimos 45 anos. Na verdade, mais confundem do que esclarecem. Algumas ONGs têm tido boas participações, como o documento que o ISA [Instituto Socioambiental] mandou e fez um esforço para esclarecer o problema. Há outras ONGs, que têm sede no exterior, cuja agenda, não sei até que ponto, sofre interferência dos países onde tem as suas sedes, que têm o direito de participar do debate, embora não obrigatoriamente eu tenha que concordar com todas as teses dessas organizações. Não acho que esses ambientalistas sejam radicais. É pior do que isso: é ter a ideia errada, de absolutizar a preocupação com o meio ambiente, sem levar em conta a questão social, o desenvolvimento, a desigualdade do país. É a ideia de condenar estados que não se desenvolveram a não se desenvolverem mais. São Paulo tem direito a ter centenas de milhares de quilômetros de estrada e o Amazonas não tem direito a estradas? Você não pode condenar um estado a uma situação dessas. Ou seja, alguém mora em São Paulo, o esgoto vai para o Tietê, tem três carros na garagem, vai comer pizza num forno a lenha e acha que o problema ambiental é do milho plantado lá em Roraima. É preciso haver equilíbrio.
E como a preservação do meio ambiente nas cidades será tratada em seu relatório?
Rigorosamente, a lei não faz distinção entre uma APP urbana e rural. Mas a aplicação é muito diferente. Boa parte da cidade de São Paulo está dentro de uma APP. São Paulo é uma cidade cruzada por rios e riachos. Você cogita se desfazer de São Paulo? Você vai ter que dizer que aquilo é área consolidada, com exceção das áreas de riscos e mananciais. Mas não passa pela cabeça do legislador desfazer a marginal porque está dentro da APP do Tietê.
Mas terá alguma medida específica em relação às questões ambientais nas cidades?
Não. Como você vai tratar, vai impor limite de emissão para cada cidade? Vai congelar a frota de automóveis no estado de São Paulo? Queria ver a lei fazer isso. A lei pode dizer para o sujeito que não pode plantar mais milho na propriedade dele, mas a lei vai dizer que o cara não vai poder mais ter carro em São Paulo? Essa é a situação que exige equilíbrio. Não é a lei que vai resolver. O que vai resolver é um programa sustentável de proteção ambiental com medidas de curto, médio e longo prazo. Achar que numa canetada você vai resolver isso, não vai nem no meio rural nem no meio urbano.
Como serão tratadas a grande agricultura e a pequena agricultura em seu relatório. Terão tratamentos diferenciados?
Tem que ter um tratamento igual e um tratamento diferenciado. A igualdade está em que a lei tem que proteger todas elas. O Estado brasileiro não pode renunciar de proteger a grande agricultura. Quem vai protegê-la? É o Estado belga? O Estado francês? O alemão? O Estado brasileiro tem que reconhecer o papel que a grande agricultura cumpre. A pequena propriedade cumpre um papel social muito relevante, mas a grande propriedade também. Temos um saldo em balança comercial produzido pela agricultura e pecuária que tem sido importante para todo mundo, para prevenir o Brasil de crises. A diferença está na vulnerabilidade da pequena propriedade, que é maior, assim como acontece na indústria. O Estado, na questão tributária, trata de forma diferenciada porque sabe que as pequenas precisam de mais proteção. Essa diferença deve existir na tributação, no acesso ao crédito e nas garantias a serem dadas. É possível a lei tratar com equilíbrio e igualdade a todos e com a diferença para proteger a estrutura de propriedade que tem mais vulnerabilidade. Tentar fazer uma guerra entre a pequena e a grande agricultura serve a qual interesse? E é preciso considerar que há uma guerra comercial. A Organização Mundial do Comércio é um teatro de guerra. Os países ricos defendendo a sua agricultura, contra uma agricultura forte de um país frágil, como é o caso do Brasil.
Congresso em Foco
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