terça-feira, 15 de janeiro de 2013

A decepção com a política agrária


Por Eduardo Sales de Lima

Completados dez anos da presença do Partido dos Trabalhadores (PT) no comando do governo federal ainda existem cerca de 150 mil famílias de trabalhadores rurais sem-terra acampadas em dezenas de acampamentos Brasil afora, lutando por seu pedaço de terra. Surpreendentemente, nos oito anos do governo neoliberal de Fernando Henrique Cardoso foram cria­dos 4.410 assentamentos. Na década de Lula/Dilma o número foi de 3.711. Os dados são do Dataluta/Unesp – Banco de dados da Luta pela Terra. 




Segundo o doutor em sociologia pe­la Universidade Federal do Paraná (UF­PR) e docente na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Cé­sar Sanson, o balanço que se faz da ad­ministração petista em relação à reforma agrária é ruim. “O PT no poder não teve a coragem suficiente para interferir e al­terar a estrutura agrária brasileira. Mes­mo tendo em mãos instrumentos que lhe permitiriam radicalizar a distribuição de terras, tratou o tema de forma conserva­dora e burocrática. O retrocesso foi exa­tamente esse, a falta de ousadia em fazer uma grande, profunda e corajosa refor­ma agrária no país”, critica o sociólogo.

Ao menos, o executivo tentou condu­zir a sociedade rumo à descriminaliza­ção dos movimentos sociais campone­ses. Segundo Alexandre Conceição, da coordenação nacional do MST, com a chegada do PT ao governo, foi inaugu­rada uma nova postura do executivo frente às lutas sociais, distinta de Collor e FHC, que buscaram destruir o movi­mento. “Com o PT no poder, a tarefa [de perseguir e criminalizar os movimentos sociais do campo] coube a outros pode­res que compunham o Estado brasileiro. Neste caso, tivemos uma brutal crimi­nalização por parte do poder judiciário e do parlamento, inclusive criando duas Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) contra o MST e uma tercei­ra contra todas as ONGs e movimentos sociais”, reforça Alexandre.

O militante sem-terra pondera, contudo, que o PT pouco fez para impedir o processo de cri­minalização dos movimentos sociais do campo. Segundo ele, poucos deputados e senadores do partido têm defendido as organizações sociais, e quando o fazem, trata-se de uma iniciativa de seus mandatos, não uma definição partidária.

Pinga-gotas

Alexandre Conceição acredita que no início da primeira gestão de Lula hou­ve avanços em relação à desapropriação de terras e, consequentemente, a cria­ção de assentamentos. Em seu primeiro ano, 2003, foram criados 333 assenta­mentos (29.723 famílias beneficiadas). Dois anos depois, o Brasil testemunhou o ápice da criação dos assentamentos na Era PT, com a criação de 885 assen­tamentos, com 106.319 famílias adqui­rindo suas terras (veja no gráfico).

A partir de 2007, contudo, “puxaram o freio de mão” nas desapropriações, como afirma Conceição. Foram criados apenas 391 assentamentos no ano.

Quatro anos depois, com a desapro­priação de terras num processo de de­clínio, o primeiro ano do governo Dil­ma, em 2011, contabilizou míseros 109 assentamentos (9.079 famílias beneficiadas).

“O que se assistiu [nos últimos dez anos] foram desapropriações a ‘pinga-­gotas’ e assim mesmo por pressão do MST. O avanço se resumiu a não cri­minalização dos movimentos sociais e à ampliação de convênios, muito pou­co para um governo de esquerda”, ava­lia César Sanson.

Uma das conclusões de analistas e mo­vimentos é a de que o Estado brasileiro tem preferido fazer a regularização fun­diária em terras públicas a desapropriar latifúndios no campo brasileiro para fins de reforma agrária, o que, de fato, ocor­reu predominantemente na Amazônia, em terras ocupadas por posseiros.

A regularização de terras públicas ocupadas tem sido o modo mais viável para o Executivo agir, tendo em conta que o PMDB – um dos representantes dos interesses ruralistas no Congresso Nacional – é um forte aliado para a go­vernabilidade, como o Brasil de Fato constantemente tem reforçado.


Programas

Porém, no processo de desenvolvi­mento das áreas de assentamento e de áreas rurais como um todo, os governos de Lula e Dilma avançaram significati­vamente. É o que acredita William Cle­mentino, secretário de Políticas Agrárias da Contag – Confederação Nacio­nal dos Trabalhadores na Agricultura. “[Lula] Reforçou um novo processo de assistência técnica, de melhoria da qua­lidade da produção e acesso a crédito, mas que também é insuficiente para a demanda dos trabalhadores do campo no Brasil”, afirma.

No período Lula, foram cria­dos outros programas voltados à ga­rantia de comercialização e preço mí­nimo para a agricultura familiar, como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). “Com isso foi resgatado o papel da Conab”, avalia Alexandre Conceição. O programa de compra antecipada pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), por exemplo, tem efeito direto no aumento da produção, na renda e na segurança. Mas ainda estão limita­dos os recursos e o número de famílias atingidas, um universo menor que 10% das famílias assentadas.

Outros dois importantes programas, como o Programa Nacional de Fortaleci­mento da Agricultura Familiar (Pronaf) e o Programa Nacional de Alimentação Es­colar (Pnae) também têm feito diferen­ça na vida dos camponeses.

Entretanto, é preciso dizer que atu­almente, segundo informam as orga­nizações sociais camponesas, menos de 10% das quase 800 mil famílias assen­tadas têm acesso ao Pronaf. E quanto ao Pnae, que reserva 30% dos recursos para agricultura familiar, ainda existe uma forte resistência em algumas pre­feituras.

Em maio deste ano, o ministro do De­senvolvimento Agrário (MDA), Pepe Vargas, reforçou que o teto para o cré­dito de custeio ao agricultor familiar foi ampliado de R$ 50 mil para R$ 80 mil.

Dilma

Ao se considerar a reforma agrária co­mo um processo amplo, que não envol­ve somente desapropriações e criação de assentamentos, os governos do PT implementaram uma nova fase em re­lação às políticas agrárias no país. Mas, de acordo com César Sanson, a visão tecnocrática que a presidenta Dilma Rousseff (PT) tem da reforma agrária, como parte um proces­so desenvolvimentista, prejudica, justamente, o progresso do país como um todo, principalmente no que se refere à distribuição de renda no campo. “O fo­co de Dilma é economia, emprego e de­senvolvimento. E o campo nessa equa­ção entra como uma base exportadora. Nesse contexto, a presidenta não vê reforma agrária como um mecanismo efetivo de desenvolvimento nacional, o quanto muito a vincula ao programa de erradicação da miséria”, avalia.

Dados oficiais do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (In­cra) e que divergem dos números do Dataluta revelam que a presidenta atin­giu em 2011 a pior marca dos últimos dezessete anos, contrariando a expecta­tiva dos movimentos sociais do campo. Em 2011, 22.021 famílias conquistaram lotes em assentamentos, o que repre­senta 61% do resultado de Lula, que em 2003 assentou outras 36.301 famílias.


Blog do  Miro

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