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As fortes chuvas que atingiram a Baixada Fluminense e a região de Angra dos Reis, no Rio de Janeiro, na última quinta-feira, tiveram seus efeitos intensificados pela falta de planejamento urbano e de infraestrutura de drenagem e contenção de encostas, segundo especialistas ouvidos pela BBC Brasil.
Elas deixaram pelo menos dois mortos e mais de 2,5 mil pessoas desalojadas ou desabrigadas.
Sistemas de alerta para populações foram implantados em áreas de risco principalmente após as tragédias no Rio de Janeiro e em Niterói, no ano de 2010, e na região serrana do Rio, em 2011. Porém, segundo os especialistas, eles não são suficientes para evitar novas tragédias enquanto comunidades continuarem a habitar regiões de encostas e margens de rios - que não possuem infraestrutura adequada de drenagem e contenção.
"Nós já evoluímos bastante desde 2010, principalmente em relação às questões dos planos de emergência, do papel da Defesa Civil e do papel do serviço geológico do Estado (do Rio de Janeiro). As prefeituras se equiparam melhor com as Defesas Civis e com os sistemas de alerta e sirenes", diz Marcelo Motta, geógrafo e professor da PUC-RJ. "(Mas) nosso atraso é anterior, no que diz respeito ao planejamento das cidades, ao planejamento urbano".
Motta faz parte de um grupo que vem assessorando o Serviço Geológico do Estado do Rio de Janeiro em áreas atingidas nesta semana e que trabalhou também nos deslizamentos de Niterói e da região serrana. Segundo ele, embora exista legislação que impede a ocupação de áreas como margens de rios, as cidades continuam a crescer desordenadamente e novas tragédias do tipo podem ocorrer com as chuvas de verão.
"As pessoas se viram como podem para poderem construir suas casas, e as prefeituras vão obviamente viver esse passivo na hora que cair uma chuva. É isso que estamos assistindo cada vez mais, chuvas menores causando estragos maiores, porque as cidades estão sendo construídas em áreas de risco. É mais uma questão de ordenamento territorial do que uma questão geológica, geotécnica".
Xerém
Uma das regiões que mais sofreu com as chuvas do início do ano foi o distrito de Xerém, no município de Duque de Caxias, onde uma pessoa morreu. No total, a cidade teve 45 casas destruídas e mais de mil desalojados ou desabrigados.
Segundo Motta, os habitantes do distrito se concentram principalmente na região da planície de inundação do rio Capivari, que desce da região serrana.
"Então, na hora que a água se concentra e chega à Baixada Fluminense, o comportamento dela é inundar e é ali justamente onde se está a população. Como é que a gente permite que o povo ocupe essas planícies?”
O geógrafo defende que em casos onde há maior risco, o poder público deveria promover a remoção das populações de áreas sujeitas a inundações e deslizamentos.
"A remoção é muito delicada, porque envolve questões antropológicas, territoriais. As pessoas têm vínculos sociais importantíssimos que devem ser mantidos, que definem a identidade e a vida delas. Ela tem que ser feita com um cuidado antropológico muito sério. Mas, ao mesmo tempo, a gente não pode deixar essas pessoas expostas ao risco".
Infraestrutura
Para Elson Antonio do Nascimento, professor do Departamento de Engenharia Civil da Universidade Federal Fluminense (UFF), no entanto, a remoção de uma grande contingente de pessoas de uma área de risco pode ser inviável devido aos altos custos.
Ele defende que áreas já ocupadas devem receber obras de infraestrutura para lidar com deslizamentos e enchentes.
"Você tem que prover infraestrutura para essas áreas, não só redes de luz, água e esgoto, mas, sobretudo, sistemas de drenagem e escoamento das águas e contenção das encostas", afirma Nascimento, que diz ver um "componente social muito forte" no problema.
"Temos um sistema de habitação que não acomoda uma parte da população, que acaba se localizando em áreas que não são próprias e carecem de infraestrutura. Então você tem uma condição de ocupação de solo que não suporta as chuvas sazonais, as chuvas de verão".
Segundo Nascimento, em países também sujeitos a cheias frequentes, como a Holanda, a manutenção dos sistemas de drenagem e a limpeza de rios e canais é considerada prioritária por políticos e autoridades.
Qualquer que seja a solução, a redução dos problemas das enchentes e deslizamentos é um processo de longo prazo, na opinião de Willy Lacerda professor de Engenharia Geotécnica da Coppe/UFRJ.
"Já existe uma lei que obriga as prefeituras a terem planos de zoneamento , mapas de risco, mapa de suscetibilidade, mas isso é uma tarefa que vai demorar muito tempo e, no ritmo que nossas prefeituras trabalham, isso é quase um trabalho de Hércules", diz Lacerda.
BBC Brasil
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