José Lisboa Moreira de Oliveira*
Hoje, falar de direitos humanos e do respeito a eles devido é a coisa mais natural do mundo. A humanidade, depois de muita dor e sofrimento, de tantas atrocidades cometidas no passado, aprendeu a duras penas que cada homem, cada mulher e cada grupo humano é sujeito de direitos.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos, redigida e promulgada logo após a desastrosa experiência da Segunda Guerra Mundial, diz em seu preâmbulo que "o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo”. Diz igualmente "que o desprezo e o desrespeito pelos direitos humanos resultaram em atos bárbaros que ultrajaram a consciência da Humanidade e que o advento de um mundo em que os homens gozem de liberdade de palavra, de crença e da liberdade de viverem a salvo do temor e da necessidade foi proclamado como a mais alta aspiração do homem comum”.
A partir da Declaração Universal dos Direitos Humanos os países democráticos foram modificando as suas Constituições e incluindo princípios que não só garantissem, mas ampliassem tais direitos. No caso do Brasil, a Constituição "cidadã” de 1988, elaborada e promulgada após o período trágico da ditadura militar, que se instaurou no país a partir do golpe militar de 1964, é a garantia desses direitos. Embora não faltem aqueles que, de vez em quando, querem aplicar novos golpes, tentando, através de emendas à Constituição Federal, solapar e eliminar o que foi conquistado com muita luta e suor.
A Igreja Católica custou aceitar e respeitar a proclamação destes direitos humanos. Enquanto no mundo avançava a luta por estes direitos, os católicos entraram no século XX sendo obrigados a engolir coisas absurdas como aquelas do famoso Syllabus de Pio IX. Felizmente veio o Vaticano II, o qual, em diversos dos seus documentos, reconheceu o valor supremo da dignidade humana e proclamou que a Igreja deve ser a promotora e a defensora dos seus inalienáveis direitos. A Constituição Pastoral Gaudium et Spes, por exemplo, pede que os direitos das pessoas "sejam mais bem assegurados”, de modo "que todos os cidadãos, e não apenas alguns privilegiados, possam gozar realmente dos direitos da pessoa (nº 73). Nesse sentido, continua a Gaudium et Spes, são deploráveis todas as "formas totalitárias ou ditatoriais, que lesam os direitos das pessoas ou dos grupos sociais” (nº 75). As ações e atos decorrentes das imposições, dos totalitarismos e das ditaduras são verdadeiros crimes e as pessoas devem ser encorajadas a lutar e "resistir abertamente aos que as querem impor” (nº 79)
Diante deste fato era de se esperar que, em pleno século XXI, a Igreja Católica não só proclamasse em seus documentos e pronunciamentos o respeito pelos direitos humanos, mas desse um testemunho ímpar de uma prática incontestável deste respeito. Mas, infelizmente, não é o que vem acontecendo. A cada dia tomamos conhecimento de práticas absurdas, envolvendo os seus dirigentes, e que são exemplos evidentes da violação dos direitos humanos mais elementares.
A mais recente dela diz respeito a uma mulher de vida consagrada, reeleita pela quase totalidade dos votos para uma função num dos Regionais da CNBB, e destituída pela autoridade hierárquica superior, por meio de carta, em plena Semana Santa, com a simples desculpa de que naquela função deveria estar um padre. A eleição da mulher seguiu fielmente os estatutos aprovados pela instituição eclesiástica e nos quais não há nenhuma cláusula determinando que só pudesse concorrer àquele cargo alguém que fosse presbítero. Vale dizer que a instituição eclesiástica em causa tem também reconhecimento civil e, por isso, a decisão arbitrária do hierarca produziu também um problema jurídico perante as leis brasileiras.
A decisão arbitrária da autoridade hierárquica causou grande mal-estar não só para a mulher destituída de sua função, mas também para todos aqueles e aquelas que nela votaram e que, de repete, se viram desrespeitados e ridicularizados pela autoridade máxima da hierarquia da Igreja no Regional. A reeleição da mulher, além de seguir fielmente o estatuto canônico e civil, foi aprovada pelo bispo referencial presente ao ato e que, naquele instante, representava os demais bispos do Regional. A eleição e a posse constam em ata, a qual deu formalidade legal ao ato.
Creio que não seria nem mesmo necessário dizer que esta atitude desrespeitosa da máxima autoridade eclesiástica do Regional não tem motivos evangélicos e humanos. Só pode ser motivada por caprichos, por despeito e por medo de que a presença dessa mulher numa instância significativa do Regional coloque em crise a sua frágil autoridade. De fato, por trás de todo autoritarismo se escondem sempre a fragilidade e a incompetência. A vida íntegra e profética de determinadas pessoas sempre incomoda os personagens eclesiásticos autoritários, os quais têm sempre o que esconder por debaixo da capa da arrogância e da prepotência.
Creio ainda que não seria nem mesmo necessário lembrar que estas atitudes das autoridades eclesiásticas ferem e contradizem profundamente o Evangelho, o qual é muito radical em afirmar que as lideranças eclesiais não devem se comportar como os tiranos deste mundo que oprimem e dominam (Mc 10,42-45). Não seria preciso lembrar que o comportamento das pessoas na comunidade cristã deve ser sempre de respeito, carinho e ternura, uma vez que nela não devem existir excelências, eminências, senhores, mestre e pais, mas apenas irmãos e irmãs (Mt 23,8-12). Não seria preciso recordar que o distintivo do cristão é a prática do amor (Jo 13,35) e que as autoridades eclesiásticas, se quiserem ser sinal sacramental de Cristo Pastor, devem "lavar os pés” das pessoas (Jo 13,12-17) e tratá-las como amigas e não como escravas (Jo 15,12-17).
É claro que nem todas as autoridades eclesiásticas se comportam desse modo. Felizmente a maioria absoluta dos padres e bispos é cuidadosa e respeitosa, tratando os fiéis com carinho e zelo e não se comportando de forma autoritária. Porém, quando acontecem casos como este o estrago é muito grande, uma vez que na Igreja Católica a figura da autoridade eclesiástica ainda se encontra revestida de grande significado religioso, educativo e moral. Ao cometer um ato desrespeitoso como este a autoridade eclesiástica sinaliza claramente que para ela a mensagem do Evangelho não possui nenhum valor e pode ser anulada a qualquer hora e por qualquer motivo. Não podemos esquecer que na linguagem da comunicação – elemento fundamental para a evangelização – os símbolos e gestos costumam falar mais fortes do que as palavras. Os meios mais poderosos são aqueles revestidos de afeto e de humanidade e quando os gestos e símbolos são de autoritarismo e dominação, terminam por deformar e decepcionar os crentes, que esperam de seus pastores atitudes mais em conformidade com as do Mestre e Senhor, que quis lavar os pés de seus discípulos e não pisá-los e humilhá-los.
As autoridades eclesiásticas não podem esquecer que os tempos são outros e que as pessoas não aceitam mais arbitrariedades e atitudes caprichosas como esta. As pessoas que legitimamente participaram da legítima reeleição da irmã estão não só indignadas, mas também revoltadas, pois sabem perfeitamente que a atitude da autoridade eclesiástica foi arbitrária, desrespeitosa e antievangélica. Um ato como este tem um terrível poder destruidor e, sem dúvida alguma, vai contribuir para que muita gente se afaste indignada de uma Igreja incapaz de dar provas reais de amor cristão.
Portanto, não nos deve surpreender se nos últimos vinte anos a percentagem de católicos caiu de 83,34% para 67,84 %. Dizem que os bispos católicos do Brasil, reunidos recentemente em Aparecida, ficaram assustados com esses dados. Creio, porém, que deveriam se assustar com o que alguns deles e seus padres andam fazendo, de forma a levar os fiéis a se distanciarem de suas comunidades.
*Filósofo. Doutor em teologia. Ex-assessor do Setor Vocações e Ministérios/CNBB. Ex-Presidente do Inst. de Past. Vocacional. É gestor e professor do Centro de Reflexão sobre Ética e Antropologia da Religião (CREAR) da Universidade Católica de Brasília
Adital
A partir da Declaração Universal dos Direitos Humanos os países democráticos foram modificando as suas Constituições e incluindo princípios que não só garantissem, mas ampliassem tais direitos. No caso do Brasil, a Constituição "cidadã” de 1988, elaborada e promulgada após o período trágico da ditadura militar, que se instaurou no país a partir do golpe militar de 1964, é a garantia desses direitos. Embora não faltem aqueles que, de vez em quando, querem aplicar novos golpes, tentando, através de emendas à Constituição Federal, solapar e eliminar o que foi conquistado com muita luta e suor.
A Igreja Católica custou aceitar e respeitar a proclamação destes direitos humanos. Enquanto no mundo avançava a luta por estes direitos, os católicos entraram no século XX sendo obrigados a engolir coisas absurdas como aquelas do famoso Syllabus de Pio IX. Felizmente veio o Vaticano II, o qual, em diversos dos seus documentos, reconheceu o valor supremo da dignidade humana e proclamou que a Igreja deve ser a promotora e a defensora dos seus inalienáveis direitos. A Constituição Pastoral Gaudium et Spes, por exemplo, pede que os direitos das pessoas "sejam mais bem assegurados”, de modo "que todos os cidadãos, e não apenas alguns privilegiados, possam gozar realmente dos direitos da pessoa (nº 73). Nesse sentido, continua a Gaudium et Spes, são deploráveis todas as "formas totalitárias ou ditatoriais, que lesam os direitos das pessoas ou dos grupos sociais” (nº 75). As ações e atos decorrentes das imposições, dos totalitarismos e das ditaduras são verdadeiros crimes e as pessoas devem ser encorajadas a lutar e "resistir abertamente aos que as querem impor” (nº 79)
Diante deste fato era de se esperar que, em pleno século XXI, a Igreja Católica não só proclamasse em seus documentos e pronunciamentos o respeito pelos direitos humanos, mas desse um testemunho ímpar de uma prática incontestável deste respeito. Mas, infelizmente, não é o que vem acontecendo. A cada dia tomamos conhecimento de práticas absurdas, envolvendo os seus dirigentes, e que são exemplos evidentes da violação dos direitos humanos mais elementares.
A mais recente dela diz respeito a uma mulher de vida consagrada, reeleita pela quase totalidade dos votos para uma função num dos Regionais da CNBB, e destituída pela autoridade hierárquica superior, por meio de carta, em plena Semana Santa, com a simples desculpa de que naquela função deveria estar um padre. A eleição da mulher seguiu fielmente os estatutos aprovados pela instituição eclesiástica e nos quais não há nenhuma cláusula determinando que só pudesse concorrer àquele cargo alguém que fosse presbítero. Vale dizer que a instituição eclesiástica em causa tem também reconhecimento civil e, por isso, a decisão arbitrária do hierarca produziu também um problema jurídico perante as leis brasileiras.
A decisão arbitrária da autoridade hierárquica causou grande mal-estar não só para a mulher destituída de sua função, mas também para todos aqueles e aquelas que nela votaram e que, de repete, se viram desrespeitados e ridicularizados pela autoridade máxima da hierarquia da Igreja no Regional. A reeleição da mulher, além de seguir fielmente o estatuto canônico e civil, foi aprovada pelo bispo referencial presente ao ato e que, naquele instante, representava os demais bispos do Regional. A eleição e a posse constam em ata, a qual deu formalidade legal ao ato.
Creio que não seria nem mesmo necessário dizer que esta atitude desrespeitosa da máxima autoridade eclesiástica do Regional não tem motivos evangélicos e humanos. Só pode ser motivada por caprichos, por despeito e por medo de que a presença dessa mulher numa instância significativa do Regional coloque em crise a sua frágil autoridade. De fato, por trás de todo autoritarismo se escondem sempre a fragilidade e a incompetência. A vida íntegra e profética de determinadas pessoas sempre incomoda os personagens eclesiásticos autoritários, os quais têm sempre o que esconder por debaixo da capa da arrogância e da prepotência.
Creio ainda que não seria nem mesmo necessário lembrar que estas atitudes das autoridades eclesiásticas ferem e contradizem profundamente o Evangelho, o qual é muito radical em afirmar que as lideranças eclesiais não devem se comportar como os tiranos deste mundo que oprimem e dominam (Mc 10,42-45). Não seria preciso lembrar que o comportamento das pessoas na comunidade cristã deve ser sempre de respeito, carinho e ternura, uma vez que nela não devem existir excelências, eminências, senhores, mestre e pais, mas apenas irmãos e irmãs (Mt 23,8-12). Não seria preciso recordar que o distintivo do cristão é a prática do amor (Jo 13,35) e que as autoridades eclesiásticas, se quiserem ser sinal sacramental de Cristo Pastor, devem "lavar os pés” das pessoas (Jo 13,12-17) e tratá-las como amigas e não como escravas (Jo 15,12-17).
É claro que nem todas as autoridades eclesiásticas se comportam desse modo. Felizmente a maioria absoluta dos padres e bispos é cuidadosa e respeitosa, tratando os fiéis com carinho e zelo e não se comportando de forma autoritária. Porém, quando acontecem casos como este o estrago é muito grande, uma vez que na Igreja Católica a figura da autoridade eclesiástica ainda se encontra revestida de grande significado religioso, educativo e moral. Ao cometer um ato desrespeitoso como este a autoridade eclesiástica sinaliza claramente que para ela a mensagem do Evangelho não possui nenhum valor e pode ser anulada a qualquer hora e por qualquer motivo. Não podemos esquecer que na linguagem da comunicação – elemento fundamental para a evangelização – os símbolos e gestos costumam falar mais fortes do que as palavras. Os meios mais poderosos são aqueles revestidos de afeto e de humanidade e quando os gestos e símbolos são de autoritarismo e dominação, terminam por deformar e decepcionar os crentes, que esperam de seus pastores atitudes mais em conformidade com as do Mestre e Senhor, que quis lavar os pés de seus discípulos e não pisá-los e humilhá-los.
As autoridades eclesiásticas não podem esquecer que os tempos são outros e que as pessoas não aceitam mais arbitrariedades e atitudes caprichosas como esta. As pessoas que legitimamente participaram da legítima reeleição da irmã estão não só indignadas, mas também revoltadas, pois sabem perfeitamente que a atitude da autoridade eclesiástica foi arbitrária, desrespeitosa e antievangélica. Um ato como este tem um terrível poder destruidor e, sem dúvida alguma, vai contribuir para que muita gente se afaste indignada de uma Igreja incapaz de dar provas reais de amor cristão.
Portanto, não nos deve surpreender se nos últimos vinte anos a percentagem de católicos caiu de 83,34% para 67,84 %. Dizem que os bispos católicos do Brasil, reunidos recentemente em Aparecida, ficaram assustados com esses dados. Creio, porém, que deveriam se assustar com o que alguns deles e seus padres andam fazendo, de forma a levar os fiéis a se distanciarem de suas comunidades.
*Filósofo. Doutor em teologia. Ex-assessor do Setor Vocações e Ministérios/CNBB. Ex-Presidente do Inst. de Past. Vocacional. É gestor e professor do Centro de Reflexão sobre Ética e Antropologia da Religião (CREAR) da Universidade Católica de Brasília
Adital
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