Cândido Grzybowski
Neste mês dos trabalhadores, é bom celebrar os bons indicadores de emprego do Brasil, já que os países centrais da globalização capitalista estão em crise. Em particular, merece registro o salto significativo do percentual de empregos com carteira assinada. Nunca é demais lembrar que cidadania no Brasil para valer ainda está associada aos direitos que a carteira de trabalho assegura. Continua, no entanto, enorme o contingente dos que trabalham, e muito, mas estão excluídos dos direitos de trabalho porque são considerados informais. De um ponto de vista da cidadania, estamos diante de brasileiros e brasileiras tratados como de segunda categoria, pois não consideramos legítima a maior parte da economia informal e somos incapazes de definir direitos legais para essas atividades econômicas tão presentes na nossa vida. Até quando vamos conviver com esta dualidade estrutural, limitante da democracia?
Há outras situações ligadas ao trabalho que merecem análise e reflexão. Destaco aqui as grandes obras de engenharia pelo Brasil afora, onde a cidadania de ser trabalhador e trabalhadora está em xeque: hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio, no Rio Madeira, em Rondônia; de Belo Monte, no Xingu, Pará; os grandes estádios para a Copa do Mundo de 2014, em quase metade das capitais, com destaque para o Maracanã, aqui no Rio; a implantação do Comperj, em Itaboraí, Região Metropolitana do Rio de Janeiro.
Aliás, o Rio tem megaprojetos em densidade, como o Porto Maravilha, o Anel Viário, as obras de infraestrutura para os Jogos Olímpicos de 2016, a siderúrgica TK-CSA, em Itaguaí, e todos os investimentos por conta do pré-sal.
Essas obras todas são parte do desenvolvimentismo ressurgido entre nós sob o nome de PAC, Programa de Aceleração do Crescimento. Não se trata de mudar substancialmente, mas de crescer e aproveitar-se do momento do “Brasil emergente”, num mundo capitalista de desenfreada competição entre conglomerados e países, onde uns sobem enquanto outros vão para o brejo.
A diferença de agora com períodos anteriores de grande crescimento do Brasil, como nos anos 1950 e 70, é que desta vez a justificativa é crescer para ter justiça social. Não cabe nesta curta reflexão discutir a insustentabilidade estrutural dessa justificativa, pois capitalismo só cresce concentrando riquezas, com exclusão e destruindo os bens comuns da vida.
Gostaria de destacar as grandes obras de um ponto de vista elementar: o dos direitos de cidadania. As grandes obras, alvos de grande atenção e publicidade da grande mídia, são na realidade canteiros com grande concentração de trabalhadores, que quase nunca têm destaque, que são o lado obscuro da obra.
Os canteiros são, por definição, temporários. Lá, o trabalho também é temporário, dura enquanto durar a obra. Eles não criam organizações econômicas duráveis e nem deixam boas lembranças por onde passam. São altamente invasivos e agressivos, ecológica e socialmente.
Ultimamente, por força do impacto evidente que causa uma paralisação de até 15 mil trabalhadores, sem aviso prévio, ficamos sabendo que existem tensões e problemas em megainvestimentos e nos projetos do PAC. De repente, descobrimos que para construir uma grande obra muita gente é mobilizada como mão de obra, e muitos mais são afetados, a população local.
Os moradores nem consultados são. Eles simplesmente devem se curvar diante do grande projeto e do grande investimento, das promessas de cidadania, sem garantia alguma, porém. Exemplos disso não faltam.
Os trabalhadores chegam em grande número de todas as partes do Brasil. A fome de trabalho é tanta que, mesmo o Comperj, no Grande Rio, atrai gente do Nordeste, do Norte, do Centro-oeste e do Sul. São trabalhadores que, no geral, migram temporariamente e deixam as suas famílias na região de origem.
As insurgências nas obras são no geral greves sem um comando definido, movimentos gestados na convivência dos canteiros, reveladores da cidadania ainda precária. É fácil prometer e não cumprir, pois o cronograma da obra está a favor da empreiteira, e seu lucro acima de qualquer suspeita. Fora dos seus territórios, onde são reconhecidos como gente, os trabalhadores ficam mais vulneráveis à exploração.
Lamentavelmente, esse lado de baixo da nossa estrutura não é prioridade. Essa é, sem dúvida, uma grande questão para um Brasil que ser quer cidadão, social, justo, democrático e sustentável.
Ibase
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