sábado, 15 de julho de 2017

A rebeldia das senadoras

Daniel Aarão Reis

Já dizia um antigo: de um céu azul não relampejam faíscas. A faísca mais recente aconteceu no Senado. Enquanto durou, como imaginou Benjamin, ela iluminou as ruínas de uma República democrática que se desmancha.

O desmanche começou com o não reconhecimento da eleição de Dilma. Desdobrou-se no longo processo que se encerrou com o afastamento da presidente.



Entre a destituição de Collor e Dilma, há notáveis semelhanças: o acionar de um dispositivo constitucional autoritário, o próprio impeachment; controvérsias jurídicas; desenlaces questionáveis; e o fato de que os vices não tinham nada a ver com os presidentes impedidos. Mas houve uma grande diferença: em torno de Itamar formou-se largo consenso que permitiu condições para a aprovação do Plano Real. O sucesso acabou consagrando a república da broa. Já o atual presidente, em nenhum momento dispôs de algo parecido. Temer, com seu ministério de homens investigados, alguns, já encarcerados, nunca reuniu a nação em torno de sua triste e cambaleante figura. Ao contrário, seus desacertos só tem contribuído para aprofundar as múltiplas faces da crise.



Ela tem uma dimensão econômica, reconhecida. Mas problemas econômicos não levam necessariamente a desmanches democráticos. A questão central é a crise de legitimidade em que se encontram as instituições representativas. E ela se agravará com a aprovação apressada de reformas questionadas como antirreformas. Protegidas pelo fórum privilegiado, as elites ignoram os clamores da sociedade. Enquanto isto, a ampla maioria do povo não confia nos políticos e começa a desconfiar da política, o que é bem mais grave.



A faísca da rebeldia das senadoras causou escândalo, mas foi controlada. Uma ação típica de desobediência civil, quando se evidencia a descrença no bom funcionamento das instituições. Compará-la a uma ação ditatorial é um contrassenso. A ditadura não ocupou a Mesa, ocupou o Congresso inteiro, com tropas. A prevalecerem a insensibilidade como norma e o rolo compressor como método, outras faíscas virão. E não é certo que se conseguirá controlá-las com rapidez e segurança. Neste jogo complicado, há um claro perdedor: a democracia. Ela precisa ser aperfeiçoada e não destruída.



Daniel Aarão Reis
Professor de História da Universidade Federal Fluminense

A Viagem dos Argonautas

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