quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017

Previdência: hora de pressão sobre os parlamentares


Táticas de pressão sobre congressistas
Um guia prático produzido pela resistência a Trump pode inspirar na batalha contra a “reforma” da Previdência

Glauco Faria

Após um período em que boa parte da população estadunidense se encontrava em estado quase letárgico na disputa entre Hillary Clinton e Donald Trump pelo comando da Casa Branca, a dura realidade de ter à frente do país o bilionário do Partido Republicano despertou milhões de pessoas. De ativistas e militantes da velha guarda, passando por jovens e gente que nunca tinha se interessado de forma mais profunda por política, desde a posse do atual presidente dos EUA foram feitas inúmeras manifestações e mobilizações contra medidas anunciadas ou planejadas por ele e por sua postura de desrespeito a direitos.


Uma das iniciativas que tem se mostrado mais efetiva na resistência aos retrocessos propostos por Trump é o Indivisible, um movimento que, curiosamente, se inspirou em um dos agrupamentos políticos mais conservadores dos Estados Unidos – o Tea Party – para traçar táticas de pressão sobre congressistas. Tudo começou em meados de dezembro, quando um grupo de pessoas que trabalhou junto a parlamentares publicou um guia online de 27 páginas que rapidamente viralizou, com um apelo simples: como fazer com que os membros do Congresso ouçam seus eleitores.



O movimento incentivou a formação de diversos grupos locais por todo o país – hoje já são mais de 6 mil. Segundo o manual, três são os princípios que norteiam as ações de uma forma geral: oposição à agenda de Donald Trump, ação local com foco nos congressistas de cada região, e defesa de valores progressistas.


Entre as ações sugeridas estão a participação em eventos públicos periódicos, chamados de “Town Halls” locais, aos quais os parlamentares comparecem regularmente. O guia orienta sobre como as pessoas podem abordá-los com perguntas, usando estratégias como combinar uma quantidade de questões antes do evento, com o grupo se dispersando pelo auditório em duplas e aumentando assim a chance de serem escolhidos. Há recomendações como “não largar o microfone até estar satisfeito com a resposta” e “manter a pressão”, fazendo com que, logo após o término da participação de um membro do grupo, os outros todos levantem as mãos para prosseguirem questionando. Tudo deve ser gravado com celulares ou câmeras para que haja repercussão após o evento.


Outros tipos de abordagem descritos no manual são visitas aos escritórios dos políticos e a execução de chamadas telefônicas em massa para os gabinetes. “Nosso objetivo é proporcionar uma compreensão prática de como seus congressistas pensam, e como você pode demostrar a eles a profundidade e o poder da oposição a Donald Trump e a um Congresso republicano ultrapassado. Este manual não é uma panacéia, nem tampouco pretende existir de forma isolada. Pedimos que combine as estratégias deste guia com um compromisso mais amplo para criar uma sociedade mais justa, construir o poder local e encarar a injustiça e o racismo sistêmicos”, diz a conclusão.


E o Brasil?


Em um seminário realizado pela Conlutas em São Paulo no início de fevereiro, Vilson Antonio Romero, presidente do Conselho Executivo da Associação Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip), já alertava para a necessidade de se realizar um trabalho corpo a corpo com os parlamentares brasileiros para barrar a PEC da “reforma” da Previdência. Temos que dar um ‘bafo na nuca’ dos 513 deputados, mapear, por exemplo, os daqui de São Paulo e ir atrás de um por um, porque eles vão decidir nosso futuro”, disse.



Algumas iniciativas já têm sido feitas nesse sentido, em especial por movimentos sindicais. Deputados têm sido alvo, por exemplo, de protestos em aeroportos, como o que ocorreu nos dias 1 e 2 de fevereiro em Brasília, no Aeroporto Juscelino Kubitschek, e em Porto Alegre na manhã desta segunda (20), no Salgado Filho. No interior do Brasil, trabalhadores rurais vem fazendo um trabalho junto a vereadores de algumas cidades para fazer pressão contra a aprovação da PEC 287. A tática justifica-se pelo fato de muitos deputados federais elegerem-se graças ao trabalho de base feito por lideranças locais em diversos municípios.


Obviamente é necessário guardar as muitas diferenças entre o cenário e o sistema político dos EUA em relação ao que existe no Brasil. Um dos pontos que faz a possibilidade de pressão lá ser maior é a duração do mandato dos deputados, escolhidos a cada dois anos, o que faz com que estejam em constante trabalho de reeleição. No entanto, o momento que o governo Temer tem para aprovar sua proposta de “reforma” é o ano anterior ao processo eleitoral. Quanto mais próximo o parlamentar brasileiro se sentir do eleitor, mais vai pesar a sua mão na hora de ter que escolher se retira ou não direitos do trabalhador.



O que a experiência do Indivisible mostra também é a importância de se fazer uma junção da capacidade de mobilização de diversas entidades e movimentos com o conhecimento de pessoas que já trabalharam no Congresso Nacional. Para traçar uma estratégia de amplo alcance e que seja efetiva, ainda mais levando-se em conta o curto prazo que o governo quer impor à tramitação da PEC 287, tal união seria fundamental.


Toda a estratégia do Planalto, desde propor a PEC no mês de dezembro, de tradicional baixa intensidade política, até a pressa com que tem tentado conduzir o processo, tem como objetivo tentar evitar que a população se informe a respeito dos imensos prejuízos sociais embutidos em sua proposta de “reforma”, evitando assim sua reação.



As pesquisas, contudo, já mostram a rejeição da sociedade às alterações pretendidas pelo governo. Resta que sua voz chegue, em alto e bom som, aos ouvidos dos parlamentares. Com uma eleição marcada para ano que vem, dificilmente poderão se fazer de surdos.



Previdência brasil

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