Estado anuncia restrições para produtores protegidos há um século
Pablo Ximénez de Sandoval
Los Angeles 14 JUN 2015
A Califórnia precisou de quatro anos de seca contínua para decidir aprovar, em abril, restrições obrigatórias ao uso de água em todo o Estado pela primeira vez na sua história. Nessa sexta-feira, essas restrições chegaram ao coração mais protegido de sua economia: os agricultores com direitos sobre a água que remontam aos tempos da febre do ouro, há mais de um século. A Comissão de Recursos Hídricos da Califórnia aprovou restrições na sexta-feira, 12, para 117 desses produtores. É o corte mais profundo da história para esses agricultores, um movimento que revela que a gravidade da seca terminou por derrubar todos os tabus políticos do Estado.
Os direitos dos agricultores sobre a água na Califórnia remontam, em alguns casos, a finais do século XIX, a época em que a febre do ouro colonizou, em poucos anos, os vales e beiras das montanhas do Estado em busca de metais. Os novos proprietários de terras conseguiram permissão para desviar a água dos rios para suas propriedades com base em “quem chega primeiro, pode irrigar primeiro”. O Estado só começou a outorgar permissões oficiais de irrigação em 1914. Essa data é a que marca a diferença entre os chamados direitos júnior e sênior para desviar água dos rios.
Os problemas recorrentes de água costumam afetar aqueles com direitos júnior (permissões de irrigação obtidos depois de 1914), aos quais se reduz o caudal ou se proíbe o acesso. Desde o ano passado, os cortes de água já provocaram perdas de mais de 2 bilhões de dólares em cultivos arruinados. Mas só em uma seca anterior, a de 1977, a Califórnia tinha restringido o acesso à água dos agricultores com direitos seniores, os consumidores de água mais protegidos do Estado. E nunca tinha afetado a tantos desses produtores como nessa ocasião. Alguns dos afetados pela decisão dessa sexta-feira têm direito a canalizar água para suas propriedades desde 1903.
Em abril, o governador da Califórnia, Jerry Brown, anunciou os primeiros cortes obrigatórios de água da história do Estado. Até esse momento, as restrições nunca tinham superado os níveis de município e condado, mas a confirmação de que as reservas de neve caída no inverno estão abaixo de 5% da média, o que significa que os rios terão um caudal reduzido pelo resto do ano, desatou o alarme. A seca afeta de maneira muito diferente o campo e a cidade.
Cidades como Los Angeles, San Diego e São Francisco têm mais ou menos seu fornecimento garantido graças a um complexo sistema de aquedutos que canalizam os rios do Estado. Enquanto isso, o centro rural sofre com falta de água. Brown anunciou um plano de redução obrigatória de 25% do consumo de água na Califórnia em relação a 2013 que deve ser executado pelas agências de água locais. As autoridades responsáveis pela água confirmaram na semana passada que em maio o consumo já foi reduzido em cerca de 13,5%, o primeiro sinal de que os californianos começaram a levar a seca a sério depois de quatro anos.
Esse plano recebeu muitas críticas porque se concentrava no uso urbano da água e não tocava a agricultura, responsável por 80% do consumo de água na Califórnia. Desde então, o Estado está advertindo que em algum momento os agricultores teriam que fazer sua parte. Frente às ameaças e críticas, há algumas semanas um grupo de várias centenas de produtores agrícolas anunciou um plano de redução voluntária de 25% do consumo de água.
A Califórnia é a maior potência agrícola dos Estados Unidos. As vendas de frutas e verduras de seus campos podem chegar a 50 bilhões de dólares. Produz 2/3 de toda a fruta que é consumida nos EUA. No entanto, a agricultura não é o motor econômico da Califórnia, representando apenas 2% do PIB dessa economia que tem o mesmo tamanho que a do Brasil. Mas é um importante nicho de emprego em amplas zonas rurais do Estado mais populoso (38 milhões de habitantes) e mais rico dos EUA.
Quando o governador rechaçou há dois meses começar as restrições de água na agricultura, não estava protegendo os produtores, mas os empregos de dezenas de milhares de trabalhadores ruais que vivem de recolher a fruta e a verdura que é servida em todo o país. “O problema de Brown é que se restringir as fazendas, ataca os trabalhadores”, explicava em uma conversa recente com EL PAÍS Peter Schrag, jornalista e historiador da Califórnia. “Obrigar os agricultores a não plantar supõe que muita gente vai perder o emprego”.
Brasil.ElPaís
Pablo Ximénez de Sandoval
Los Angeles 14 JUN 2015
A Califórnia precisou de quatro anos de seca contínua para decidir aprovar, em abril, restrições obrigatórias ao uso de água em todo o Estado pela primeira vez na sua história. Nessa sexta-feira, essas restrições chegaram ao coração mais protegido de sua economia: os agricultores com direitos sobre a água que remontam aos tempos da febre do ouro, há mais de um século. A Comissão de Recursos Hídricos da Califórnia aprovou restrições na sexta-feira, 12, para 117 desses produtores. É o corte mais profundo da história para esses agricultores, um movimento que revela que a gravidade da seca terminou por derrubar todos os tabus políticos do Estado.
Os direitos dos agricultores sobre a água na Califórnia remontam, em alguns casos, a finais do século XIX, a época em que a febre do ouro colonizou, em poucos anos, os vales e beiras das montanhas do Estado em busca de metais. Os novos proprietários de terras conseguiram permissão para desviar a água dos rios para suas propriedades com base em “quem chega primeiro, pode irrigar primeiro”. O Estado só começou a outorgar permissões oficiais de irrigação em 1914. Essa data é a que marca a diferença entre os chamados direitos júnior e sênior para desviar água dos rios.
Os problemas recorrentes de água costumam afetar aqueles com direitos júnior (permissões de irrigação obtidos depois de 1914), aos quais se reduz o caudal ou se proíbe o acesso. Desde o ano passado, os cortes de água já provocaram perdas de mais de 2 bilhões de dólares em cultivos arruinados. Mas só em uma seca anterior, a de 1977, a Califórnia tinha restringido o acesso à água dos agricultores com direitos seniores, os consumidores de água mais protegidos do Estado. E nunca tinha afetado a tantos desses produtores como nessa ocasião. Alguns dos afetados pela decisão dessa sexta-feira têm direito a canalizar água para suas propriedades desde 1903.
Em abril, o governador da Califórnia, Jerry Brown, anunciou os primeiros cortes obrigatórios de água da história do Estado. Até esse momento, as restrições nunca tinham superado os níveis de município e condado, mas a confirmação de que as reservas de neve caída no inverno estão abaixo de 5% da média, o que significa que os rios terão um caudal reduzido pelo resto do ano, desatou o alarme. A seca afeta de maneira muito diferente o campo e a cidade.
Cidades como Los Angeles, San Diego e São Francisco têm mais ou menos seu fornecimento garantido graças a um complexo sistema de aquedutos que canalizam os rios do Estado. Enquanto isso, o centro rural sofre com falta de água. Brown anunciou um plano de redução obrigatória de 25% do consumo de água na Califórnia em relação a 2013 que deve ser executado pelas agências de água locais. As autoridades responsáveis pela água confirmaram na semana passada que em maio o consumo já foi reduzido em cerca de 13,5%, o primeiro sinal de que os californianos começaram a levar a seca a sério depois de quatro anos.
Esse plano recebeu muitas críticas porque se concentrava no uso urbano da água e não tocava a agricultura, responsável por 80% do consumo de água na Califórnia. Desde então, o Estado está advertindo que em algum momento os agricultores teriam que fazer sua parte. Frente às ameaças e críticas, há algumas semanas um grupo de várias centenas de produtores agrícolas anunciou um plano de redução voluntária de 25% do consumo de água.
A Califórnia é a maior potência agrícola dos Estados Unidos. As vendas de frutas e verduras de seus campos podem chegar a 50 bilhões de dólares. Produz 2/3 de toda a fruta que é consumida nos EUA. No entanto, a agricultura não é o motor econômico da Califórnia, representando apenas 2% do PIB dessa economia que tem o mesmo tamanho que a do Brasil. Mas é um importante nicho de emprego em amplas zonas rurais do Estado mais populoso (38 milhões de habitantes) e mais rico dos EUA.
Quando o governador rechaçou há dois meses começar as restrições de água na agricultura, não estava protegendo os produtores, mas os empregos de dezenas de milhares de trabalhadores ruais que vivem de recolher a fruta e a verdura que é servida em todo o país. “O problema de Brown é que se restringir as fazendas, ataca os trabalhadores”, explicava em uma conversa recente com EL PAÍS Peter Schrag, jornalista e historiador da Califórnia. “Obrigar os agricultores a não plantar supõe que muita gente vai perder o emprego”.
Brasil.ElPaís
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