terça-feira, 6 de setembro de 2016

Uma vida radicalmente evangélica

D. Paulo Evaristo no velório do jornalista Vladimir Herzog
Francisco Paes de Barros 

Hoje, 14 de setembro, Dom Paulo Evaristo Arns faz 95 anos. Quando ele tomou posse da Arquidiocese de São Paulo, em 1.º de novembro de 1970, o Brasil vivia sob uma ditadura militar, período em que aconteceram graves violações aos direitos fundamentais da pessoa humana.

Durante os 28 anos em que esteve à frente da Arquidiocese de São Paulo, o cardeal Arns foi um dos mais importantes defensores dos direitos humanos. E também nunca deixou de fazer uma apreciação moral das culturas políticas, de um modelo social e de um programa.

A Igreja Católica cumpriu sua dupla função pastoral: agiu como consciência crítica da sociedade e foi uma voz profética na sociedade.

No auge da repressão do regime militar, Dom Paulo foi tachado de subversivo pelos radicais, que queriam vê-lo preso e torturado. Aliás, esse fato aconteceu na mesma ocasião (Anos de Chumbo) em que o ministro da Justiça do governo militar disse que haveria de viver o dia em que o pensador católico Jacques Maritain seria publicamente reconhecido como comunista. Era sabido que o Episcopado brasileiro estava ligado às ideias de Maritain de ordem filosófico-teológica, “Humanismo Integral”.

A “profecia” do ex-ministro da Justiça não se concretizou. A história se incumbiu de colocar cada um de seus personagens em seu devido lugar.

O papa Paulo VI era amigo e admirador de Jacques Maritain. Ambos foram proeminentes opositores do totalitarismo, seja ele de direita ou de esquerda. Eles defenderam uma democracia inspirada no Evangelho, “inteiramente humana”.

Frei Paulo Evaristo Arns tornou-se bispo, arcebispo de São Paulo e cardeal (há 50 anos) no papado de Paulo VI.

O Arcebispo de São Paulo inspirava-se na encíclica “Populorum Progressio” de Paulo VI: “É necessário promover um humanismo total. Que vem ele a ser senão o desenvolvimento integral do homem todo e de todos os homens?...”(42).



“Dom Paulo da esperança” alerta que não se pode privar a raça humana da esperança da fraternidade. Ela vive de “esperança em esperança”.

“Dom Paulo da fraternidade” tem o mesmo entendimento de São João XXIII em relação ao amor de Deus por toda pessoa: “A Igreja se apresenta e quer realmente ser a Igreja de todos, em particular,a Igreja dos pobres.”

“Dom Paulo da ternura” lembra que é preciso sentir compaixão pelos excluídos, empobrecidos e explorados, e promover a busca de todos pelo bem comum.

“Dom Paulo da solidariedade” é um exemplo extraordinário de amor solidário e libertador aos pobres e aos excluídos. Defensor da justiça social.

“Dom Paulo dos pobres”, filho fidelíssimo de São Francisco de Assis, diz: “Ser Franciscano não é apenas conteúdo. É espírito, maneira de ver as coisas, de vivê-las, de assumi-las e de equacionar os grandes conflitos de vida e de morte. Isto Francisco fez em sua época e o faria hoje, aqui e agora. Por isso ele é grande e universal. Fascinará qualquer pessoa em qualquer época, pelo seu jeito de ser: pobre, serviçal, gratuito, fraterno e, por conseguinte, Menor.” (“São Francisco Hoje”).

“Dom Paulo da resistência” foi um dos protagonistas do enfrentamento pacífico, mas decisivo, ao regime militar. Familiares de presos políticos o procuravam pedindo sua ajuda no sentido de localizar os parentes presos e pediam-lhe que intercedesse por eles. Como disse o padre José Comblin, “Não existe esperança sem profetas.”

“Dom Paulo profeta” saía das prisões convencido de que as forças de repressão eram tão cruéis quanto o nazismo.

Houve um presidente da República (Anos de Chumbo) que não quis ouvir o relato corajoso de “Dom Paulo dos direitos humanos” sobre o que acontecia nos porões dos órgãos de repressão e o expulsou de seu gabinete, dizendo-lhe: "Seu lugar é na sacristia.

Talvez aquele presidente não soubesse que o cardeal Arns era e é mensageiro do amor de Cristo. E que “o amor de Cristo não é algo individualista, exclusivamente espiritual, mas refere-se também à carne, diz respeito ao mundo e deve transformar o mundo” (cardeal Ratzinger).

Dom Paulo Pastor ensina que “quando a gente comunga o Cristo, a gente faz o que ele faz. Defende a justiça, a verdade, a solidariedade, a paz e a união dos homens” (“Ave Maria” 11/97).

Com o intuito de restringir a liberdade de expressão do jornalista dom Paulo Evaristo, em 1973, a ditadura militar tirou do ar em carater definitivo a Rádio 9 de Julho e censurou duramente o jornal “O São Paulo”, ambos da Arquidiocese de São Paulo.

Dom Paulo não deixou de conspirar publicamente contra os agressores dos direitos humanos.

Em 31 de outubro de 1975, na Catedral de São Paulo, no Ato Ecumênico em memória do jornalista Vladimir Herzog, o Cardeal profeta partiu para a confrontação forte e pacífica: “Desde as primeiras páginas da Bíblia Sagrada até a última, Deus faz questão de comunicar constantemente aos homens que é maldito quem mancha suas mãos com o sangue de seu irmão.”

Em 1977, o cardeal Arns recebeu correspondência enviada pelo presidente dos Estados Unidos, Jimmy Carter: “Agradeço sua carta de 29 de outubro, submetendo à minha atenção a lista de prisioneiros políticos brasileiros que desapareceram desde 1971...”. “Seu trabalho a favor da dignidade humana tornou-me orgulhoso de dividir consigo o pódium da Universidade de Notre Dame. Desejo-lhe o maior sucesso em seus esforços para assegurar os direitos básicos de todos os seres humanos, ajudar todos aqueles cujos direitos foram violados e confortar suas famílias.”

Na caminhada em defesa da vida, da dignidade e da liberdade humana, Dom Paulo dialoga com a sociedade plural do nosso tempo. Está sempre muito próximo de crentes de todas as religiões e não crentes.

Paulo Evaristo Arns, homem de profunda fé em Jesus Cristo, leva, há 95 anos, “uma vida radicalmente evangélica”.


* Radialista


Nenhum comentário:

Postar um comentário

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...