Christian Ingo Lenz Dunker
A entrada no comércio ilegal de drogas tem mais a ver com a resposta a um ato de humilhação social do que com uma verdadeira busca de ascensão profissional ou de consumo.
Um dos problemas mais sensíveis e de maior complexidade para o governo que agora se elege será a redefinição de nossa política quanto à relação entre drogas e pobreza. Mais além da liberalização das drogas mais leves, para quem pode consumir dentro da lei, há o problema remanescente de que as substâncias ainda mais proibidas se associam com uma forma de vida que se reproduz em acordo tácito entre violência, miséria e tráfico.
Um dos problemas mais sensíveis e de maior complexidade para o governo que agora se elege será a redefinição de nossa política quanto à relação entre drogas e pobreza. Mais além da liberalização das drogas mais leves, para quem pode consumir dentro da lei, há o problema remanescente de que as substâncias ainda mais proibidas se associam com uma forma de vida que se reproduz em acordo tácito entre violência, miséria e tráfico.
A equação que atualmente rege as políticas públicas na matéria subentende que a miséria leva à falta de perspectiva econômica e decorre da precariedade da escolarização, ou da desorganização das famílias de origem. Essas circunstâncias determinam o ingresso no tráfico de drogas e subsequentemente a espiral crescente de violência. Segundo essa teoria o “combate” ao tráfico possui uma estrutura de guerra, com pequenos grupos lutando pela conquista de posições no mercado e o Estado intervindo violentamente para acabar com a violência. Colocando o problema dessa maneira, somos levados a pensar a guerra contra as drogas como uma guerra, o que aparentemente confirma, discursiva e praticamente, a violência que gostaria de suspender.
Ora, essa profecia autorrealizadora sobre a guerra ao tráfico começa a ser questionada por uma série de estudos que questionam essa ligação simples entre economia e violência no contexto das drogas. É o caso da recente dissertação de mestrado Por que a guerra? Política e subjetividade de jovens envolvidos na guerra do tráfico de drogas: um ensaio sem resposta,de Aline Souza Martins (Departamento de Clínica do Instituto de Psicologia da USP), que conviveu durante um longo tempo com traficantes do morro de Santa Lúcia, nos arredores de Belo Horizonte, tentando entender como os jovens “entram para a guerra”. Ela mostra, por meio do exame de exemplos contundentes, como a guerra do tráfico é antes de tudo um caso de luta por reconhecimento. Em outras palavras, a entrada na guerra tem mais a ver com a resposta a um ato de humilhação social, a conquista de uma posição moral de respeito ou a procura de proteção do que com uma verdadeira busca de ascensão profissional ou de consumo. Estamos tão acostumados a supor que o trabalho é a única gramática de reconhecimento social que esquecemos que o desejo e a linguagem também definem a luta por reconhecimento.
Quando Lacan tomou a Hegel o paradigma da dialética do reconhecimento como ponto de entrada para sua teoria do sujeito, estava em jogo essa outra maneira de tratar o antagonismo social. O senhor e o escravo se reconhecem mutualmente não no contexto hobbesiano de uma luta de todos contra todos, e da consequente soberania do medo, mas no contexto ainda mais universal, onde se trata de fazer reconhecer o desejo, em atos reais, palavras simbólicas e personagens imaginários. Enquanto a relação entre tráfico e pobreza for pensada e enfrentada apenas com dinheiro e armas, dificilmente teremos como efeito algo diferente do que violência e guerra.
Controvérsia
Ora, essa profecia autorrealizadora sobre a guerra ao tráfico começa a ser questionada por uma série de estudos que questionam essa ligação simples entre economia e violência no contexto das drogas. É o caso da recente dissertação de mestrado Por que a guerra? Política e subjetividade de jovens envolvidos na guerra do tráfico de drogas: um ensaio sem resposta,de Aline Souza Martins (Departamento de Clínica do Instituto de Psicologia da USP), que conviveu durante um longo tempo com traficantes do morro de Santa Lúcia, nos arredores de Belo Horizonte, tentando entender como os jovens “entram para a guerra”. Ela mostra, por meio do exame de exemplos contundentes, como a guerra do tráfico é antes de tudo um caso de luta por reconhecimento. Em outras palavras, a entrada na guerra tem mais a ver com a resposta a um ato de humilhação social, a conquista de uma posição moral de respeito ou a procura de proteção do que com uma verdadeira busca de ascensão profissional ou de consumo. Estamos tão acostumados a supor que o trabalho é a única gramática de reconhecimento social que esquecemos que o desejo e a linguagem também definem a luta por reconhecimento.
Quando Lacan tomou a Hegel o paradigma da dialética do reconhecimento como ponto de entrada para sua teoria do sujeito, estava em jogo essa outra maneira de tratar o antagonismo social. O senhor e o escravo se reconhecem mutualmente não no contexto hobbesiano de uma luta de todos contra todos, e da consequente soberania do medo, mas no contexto ainda mais universal, onde se trata de fazer reconhecer o desejo, em atos reais, palavras simbólicas e personagens imaginários. Enquanto a relação entre tráfico e pobreza for pensada e enfrentada apenas com dinheiro e armas, dificilmente teremos como efeito algo diferente do que violência e guerra.
Controvérsia
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