domingo, 16 de maio de 2010

E se o Programa de Direitos Humanos fosse anual?



- Os sem-terra são todos vagabundos que querem roubar o que os outros conquistaram com muito suor.
- A política de cotas raciais é um preconceito às avessas.
- Os índios são pessoas indolentes. Erra o governo ao mantê-los naquele estado de selvageria.
- As rádios comunitárias são um crime. Derrubam até aviões.
- Tortura deve continuar sendo um método válido de interrogatório.

O governo federal voltou atrás em vários pontos do 3º Programa Nacional de Direitos Humanos que estavam gerando polêmica desde seu lançamento em dezembro último. Atendeu, dessa forma, a pressões vindas de setores de natureza diversa, mas conectados pelas críticas às propostas presentes no documento.

O governo já havia cedido em alguns pontos. Primeiro, foi anunciada a mudança relativa à criação da comissão que pretende abrir a caixa preta dos crimes contra a humanidade cometidos durante a ditadura. Depois, informadas mudanças também na proposta relativa ao aborto. No programa, ele está relacionado ao direito (inalienável, justo, pleno) da mulher ao seu próprio corpo e não apenas à questão de saúde pública (hoje, mulheres pobres morrem ao fazer aborto com agulhas de tricô e caixas de Citotec, mulheres ricas usam clínicas de R$ 4 mil…).

No final das contas, caíram também as recomendações contra a ostentação de símbolos religiosos em estabelecimentos públicos da União (po que esse país pensa que é? Laico?!) e as sugestões de punições aos veículos de comunicação que desrespeitassem os direitos humanos (e viva a baixaria!). Também voltou-se atrás com as propostas de mediação prévia com os envolvidos para a desocupações de terras (e mesmo assim a Confederação da Agricultura e Pecuária disse o PNDH continua uma sandice). A proposta que proibia o batismo de logradouros públicos com o nome de pessoas que cometeram crimes contra o ser humano também foi abrandada (se fosse retroativo, ia ter muita ponte, viaduto e estrada sem nome por aí).

Tempo atrás, o ministro-chefe da Secretaria Especial dos Direitos Humanos Paulo Vannuchi disse que o programa é um grupo de propostas e que está sujeito a falhas e passível de correções – além de ser um documento feito por milhares representando outros milhões, exatamente para ser discutido com toda a sociedade. Não vejo problemas em refinar o conteúdo, mas fiquei bastante surpreso com o quanto o governo retrocedeu neste caso. Não acho que a sugestão para isso tenha partido da área de Direitos Humanos, não importa o quanto o ministro chame a responsabilidade para si. Mas sim do desejo do Palácio do Planalto de evitar celeumas que possam prejudicar em ano eleitoral.

As propostas já não são suficientemente ousadas, pensando na carência de dignidade que reina por aqui. Na verdade, o problema não é o que está lá e pode sair do papel e sim o fato de sabermos que muito do que está lá nunca sairá do papel. O que seria extremamente necessário, uma vez que nossa idiotice e selvageria não tem limites.
Foi extremamente instrutivo ver as reações públicos de setores contrários às propostas no PNDH 3. As críticas colocaram lado a lado a igreja, os militares e o agronegócio, que possuem em suas fileiras alguns dos maiores bastiões do conservadorismo e do atraso. Lembrando o que publiquei em outro post tempos atrás, isso é igual àqueles microcosmos de poder do Brasil profundo, presentes nas obras de Dias Gomes: o padre, o delegado e o coronel, tomando uma cachacinha na (ainda) Casa-grande e discutindo sobre os desígnios do mundo. Ou pelo menos do vilarejo. Pra frente, Sucupira!

A despeito a decepção, pelo menos nos resta saber que tem muita proposta boa dentro do documento que não foi questionada – me pergunto se por preguiça dos representantes do setores acima citados. E também a repercussão. É raro ver a população recebendo informações sobre o tema que não fossem as de programas sensacionalistas de porta de cadeia. Se todo lançamento de PNDH gerar um debate nacional sobre os direitos humanos (em um país que tem vergonha de defender direitos humanos), proponho que não esperemos mais tantos anos para uma nova versão e que, já em 2010, tenhamos mais um. No mínimo, fará com o padre, o delegado e o coronel, e os donos da rádio local, se manifestem novamente, lembrando ao Brasil que ele é brasil.

Blog do Sakamoto

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