sexta-feira, 23 de outubro de 2009
A queda do idoso e o filho indiferente
Não me considero um filho relapso - e tenho tendência a julgar as pessoas, hábito que considero péssimo diga-se de passagem, pois me põe acima do bem e do mal. Mas, vez por outra, não consigo evitar meu espanto sobre como andam frias as relações pessoais no nosso Rio de Janeiro - sim, falo do Rio pois é aqui que vivo, então, não posso falar de outro lugar. Tudo começou na quarta-feira, em Copacabana, no Posto Seis, onde estava participando do seleto grupo de 26 jornalistas que escolheram as melhores matérias feitas em todo o Brasil no último ano para o Prêmio Esso de Jornalismo.
Estava à procura de uma agência de meu banco quando me deparei coma cena: um senhor, já beirando seus 80 anos, sentado no chão, amparado por um jovem bastante sereno que mantinha amão sobre sua testa. Ao seu redor, poças de sangue, muito sangue. O mesmo escorria por sua testa e descia nariza abaixo. Tocado com a cena, lembrei-me do dia em que meu falecido pai caiu após tropeçar numa destas irregularidades da calçada e se estoporar com a testa no chão. Parei ao lado do jovem e ofereci ajuda. Havia cinco minutos ele ligara 193, pedindo socorro aos bombeiros, para que enviassem uma ambulância ao local. Liguei de novo. Nada.
Perguntei ao senhor se ele gostaria que eu ligasse a algum conhecido seu para que viesse socorre-lo. Abalado com o tombo, o idoso, forte como um futuro porém visivelmente abatido pela idade (ah, a idade, o que ela é capaz de fazer com o ser humano se ele não for humilde o suficiente para reconhecer as mudanças na sua vida...), tateava a carteira em busca de um papel com o telefone de seu filho. Ele se preocupava com o cartão do banco que lá estava, com, o óculos despedaçado no chão, com as pessoas que começavam, a rodea-lo. Muitas mulheres, muitas. Homens, poucos. E nada de ambulância.
Ele achou o telefone do pai, entregou o papel a uma mulher e esta ligou para o rapaz - um médico, segundo suas palavras. O que eu temia, aconteceu. Do outro lado da linha, indiferença. O filho, sabe-se lá por qual razão, reagiu com frieza à informação de que o pai estava estatelado em plena calçada da Avenida Copacabana. "Estou a quilômetros de distância daí", disse o rapaz, já sendo fuzilado por mim, que não perdi tempo em julgá-lo. "Como pode?", perguntei. "Se fosse o meu pai, sairia correndo, pediria que esperassem eu chegar, voaria até lá", imaginei.
A meu lado, o embate continuava. A senhora exigia a presença do filho desnaturado para ajudar o pai, e o mesmo tentava se livrar da responsabilidade. O senhor, já irritado com a devassa em sua intimidade, já incomodado por estranhos descobrirem que seu filho pouco se importava com ele, deu um brado, o último brado do leão ferido, e disse que iria para um hospital em Ipanema. Pegou o telefone, combinou com alguém o encontro no hospital e bateu o martelo.
Dei minha missão por encerrada. Estava estupefato com a falta de responsabilidade, com a indiferença, com a frieza daquele filho. Tempos modernos. O senhor foi embora de táxi e as manchas de sangue escorreram com a chuva que começou a cair. Assim é a vida. Nada é eterno. Mas se a gente pode fazê-la amorosa, façamos.
Bom dia!
Andre Balocco
do Jornal do Brasil
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