segunda-feira, 10 de dezembro de 2018

Michel Zaidan Filho: O fim do presidencialismo de coalizão



A eleição do senhor Jair Bolsonaro, nas controvertidas circunstancias em que se deu, após o afastamento da presidente Dilma e o malfadado interregno do senhor Michel Temer, só confirma mais uma vez a exaustão do chamado “presidencialismo de coalizão” no Brasil. Como se sabe, o nosso messianismo legal copiou as instituições políticas norteamericanas, no início da República brasileira. E entre estas, o instituto do Presidencialismo, sem se dar conta da multiplicidade de partidos e legendas existentes no nosso país. Partidos de frágeis bases nacionais, mais parecidos com federações de grupos políticos locais. A tradição messiânica da política brasileira se expressou com perfeição no Presidencialismo semi-imperial, de absoluto desprezo pelo sistema partidário e, mais ainda, pelo Poder Legislativo. Esta tendência histórica levou ao menosprezo pelo eleitor das eleições proporcionais e a uma sobrevalorização do Poder Executivo, fazendo muitas vezes as eleições majoritárias assumirem o caráter de um plebiscito.


Em todas as eleições do mundo, em democracias representativas como a nossa, os partidos de centro e centroesquerda sempre desempenharam o papel fundamental no equilíbrio do sistema político, garantindo sua governabilidade ou evitando guinadas radicais seja em direção à direita ou à esquerda. A essa afirmativa, poder-se-ia juntar a famosa tese de Aristóteles de que são as classes médias o que salvam a democracia. Infelizmente, essas constatações foram fortemente desmentidas no ambiente cultural e político do Brasil. Primeiro, pela debilidade do nosso liberalismo político, definido por um político do DEM como a cultura do Bombril, liberalismo de mil e uma utilidades, usado e interpretado ao sabor das conveniências dos partidos. Segundo, em razão do conservadorismo das classes médias brasileiras (eterna massa de manobra dos regimes golpistas e autoritários). Em suma, um regime Presidencialista sujeito permanentemente a “chuvas e trovoadas”, dependendo dramaticamente do arremedo de legendas partidárias representadas no Congresso. É a isso que se denomina de “governabilidade”. O que faria depender do apoio de maiorias eventuais a estabilidade do regime democrático.

Some-se a esse quadro, o complicador de uma mudança cultural na população brasileira, sobretudo de baixa renda. Nação de origem católica, até outro dia se dizia que a ética puritana do trabalho, o individualismo anglo-saxão (self made man) e a realização através do acumulo e a posse de bens materiais não faziam parte da mentalidade da maioria dos brasileiros, em razão da influencia religiosa ibérica. Mas não contaram os analistas com o crescimento paulatino dos cultos evangélicos de orientação pentecostal e neopentecostal, numa versão muito modificada do modelo original americano. Igrejas que ajudaram a difundir uma “teologia da prosperidade”, que coloca a culpa da pobreza e da inferioridade social no próprio indivíduo, não nas condições sociais, e a defender a prosperidade material como “presente de Deus”. Não se conhecia no país essa modalidade de individualismo e afastamento de uma hermenêutica social como foi, por exemplo, a “teologia da libertação” e suas comunidades eclesiais de base. Diga-se também que foi adotado um modelo de comunicação social de massas vitorioso e, mais importante, um projeto político para o país.

O resultado não poderia ser outro: na esteira do ressentimento da democracia provocado pela “operação lava-jato”, que aliás resultaram em 30 milhões de votos nulos e brancos e da abstenção eleitoral, as instituições de nosso Presidencialismo de coalizão chegaram profundamente desgastadas, ao fim da campanha eleitoral.Na ausência de qualquer reforma política digna deste nome e legitimada pela sociedade, a nossa democracia de baixa intensidade está em frangalhos. A extrema fragmentação da representação parlamentar, a pouca representatividade dos partidos políticos (dominados por lobbies” de todo tipo), a politização do judiciário e um Poder Executivo que mais do que nunca precisa e depende da mixórdia dos 35 partidos, sob pena de não governar ou ser afastado do poder. Esta a crise do modelo político brasileira.

Mais grave, contudo, é a imensa crise social que acompanha a crise político-institucional. O fundamentalismo de mercado que quer privatizar tudo, mercadorizar os bem sociais, entregar os pobres e miseráveis à própria sorte, precarizar de uma vez o trabalho, atacar a magistratura do trabalho, perseguir as entidades sindicais e os movimentos sociais, através de uma interpretação canhestra da lei que criminaliza o protesto social. Até ontem, tínhamos um grave problema com a engenharia institucional do país. Hoje, estamos à beira de um imenso cataclismo social. Quando reagiram os brasileiros diante desse assalto aos seus direitos e expectativa de direitos?



Michel Zaidan Filho é filósofo, historiador, cientista político, professor titular da Universidade Federal de Pernambuco e coordenador do Núcleo de Estudos Eleitorais, Partidários e da Democracia.


Blog do Jolugue



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