Guilherme Boulos
Os trabalhadores e trabalhadoras, enfim, entraram em campo. Nasce uma nova esperança
A insatisfação contra a reforma da Previdência tomou a Avenida Paulista em São Paulo (Ricardo Stuckert)
O último dia 15 pode ter inaugurado um novo momento na luta social brasileira. Centenas de milhares de cidadãos foram às ruas em defesa da Previdência pública e contra o desmonte proposto pelo governo Temer.
Ocorreram mobilizações expressivas não apenas nas capitais. Cidades pequenas e médias, no interior do País, registraram manifestações. Em São Paulo, a Avenida Paulista foi palco do maior ato do último período, sem convocação nem cobertura midiática.
O maior destaque do dia foram, porém, as paralisações de categorias importantes: condutores, metroviários, professores, bancários e outros tantos cruzaram os braços de Norte a Sul. Há alguns anos não se via uma greve nacional tão ampla. Esse foi o principal salto qualitativo. Os trabalhadores e trabalhadoras, enfim, entraram em campo.
O grande limite do ciclo de mobilização que vivenciamos de 2015 até aqui foi precisamente a tímida participação da base popular. A batalha que os movimentos sociais travaram contra o golpe e as políticas de ajuste fiscal, assim como as manifestações pelo “Fora Temer”, não tiveram a presença massiva dos trabalhadores, do povo das periferias urbanas.
Para sermos justos, nem de um lado nem de outro. A maioria do povo brasileiro permaneceu apática em relação aos enfrentamentos do último período. As manifestações verde-amarelas pelo “Fora Dilma” ficaram essencialmente circunscritas às camadas médias, sem maior participação popular.
O mesmo valeu para as lutas que travamos contra o golpe, em geral restritas à militância dos movimentos sociais e ao ativismo democrático. Em grande medida, foi por esse limite que não conseguimos barrar o retrocesso.
Na verdade, a esquerda paga o preço por suas escolhas nos últimos 20 anos. A perda de capilaridade social dos movimentos e organizações do campo progressista está relacionada ao abandono do trabalho de base como método e das ruas como principal foco de atuação.
Componente fundamental na formação do PT e do novo sindicalismo, o trabalho de base foi pouco a pouco preterido e as ruas substituídas pela disputa eleitoral. Não há, necessariamente, um antagonismo entre mobilização e ação institucional.
A esquerda precisa disputar todos os espaços, inclusive as eleições. Mas, quando a opção eleitoral se sobrepõe a todo o resto, perde lastro e o principal impulso para transformações profundas. Sem mobilização, as mudanças políticas são frágeis.
Evidentemente, seria um erro generalizar. Há movimentos que seguiram com forte atuação de base. Mas o quadro hegemônico não foi este, o que resultou numa perda de influência e poder de mobilização das organizações de esquerda nas últimas duas décadas, em especial durante os governos petistas.
Nas periferias urbanas, esse vácuo foi ocupado de modo importante pelas igrejas neopentecostais, que cresceram aceleradamente. Embora seus propósitos sejam outros, herdaram muito do método das CEBs no que se refere à presença territorial e construção de vínculos de acolhimento. Estão onde a maior parte da esquerda deixou de estar. Pagamos ainda hoje o preço desse descaminho.
Agora, a dimensão dos ataques do governo Temer traz uma nova oportunidade de lutas massivas no Brasil. As reformas da Previdência e trabalhista representam o maior retrocesso aos direitos sociais da história recente.
O projeto do governo Temer é, em dois anos, destruir de uma só vez três pactos construídos ao longo dos últimos 80 anos: o pacto lulista, representado pelos programas sociais, o pacto da Constituição de 1988, representado pelos serviços públicos universais, e o pacto varguista, com suas garantias trabalhistas e previdenciárias.
Parecia até então que conseguiriam passar sem grandes percalços. As mobilizações e as greves do dia 15 mostraram uma vitalidade da resistência. Acima de tudo, mostraram o envolvimento de uma base popular ausente nos últimos embates.
Abriu-se com isso a esperança de um novo ciclo de lutas, que poderá derrotar as reformas antipopulares. De quebra, esse processo pode marcar o início do reencontro das organizações de esquerda com o povo. Isso dependerá dos próximos passos.
Será necessário construir novos dias de mobilização nacional e greves que sejam capazes de pressionar o Congresso a barrar os projetos. Os vínculos do governo Temer com a maioria do Parlamento são fortes, só não mais fortes que o receio dos parlamentares de não se reelegerem no próximo ano.
Se a mobilização continuar a crescer e, com ela, a capacidade de comunicação massiva em relação à gravidade do que está em jogo, podemos derrotar o projeto de Temer. Não será fácil, mas pela primeira vez os atores capazes de dar essa virada começaram a entrar em cena.
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Carta Capital
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