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No Tempo da Ditadura |
Realle Palazzo-Martini
Recomendação expedida pelo Ministério Público Federal (MPF) em Goiás, sugerindo que a Universidade Federal de Goiás (UFG) deva se abster de sediar manifestações favoráveis à presidente Dilma Rousseff e ao PT tem gerado polêmica nas redes sociais. O expediente, assinado pelos procuradores da República Ailton Benedito de Souza e Cláudio Drewes José de Siqueira, foi encaminhados a 39 órgãos federais no Estado. O da UFG, entretanto, é visto como uma tentativa de o MPF se imiscuir na autonomia da instituição e no seu papel de fomentar o debate sobre a política e os temas relevantes para a sociedade.
Embora não cite diretamente as manifestações pró-governo, deixando a impressão de que a proibição se dá para atos vinculados a qualquer fragrância ideológica, o texto da recomendação exala o aroma da verdadeira intenção da peça. “Nesse contexto de embate político-partidário, tem havido grandes manifestações de brasileiros que pugnam pela cassação do mandato da Chefe do Executivo Federal; circunstância que vem ocasionando, em contraposição, protestos de grupos adversos ao impeachment, que clamam por sua permanência no poder”, diz o texto do MPF.
No que é considerado uma ameaça pelos docentes, os procuradores argumentam que os bens públicos de uso especial (imóveis ou móveis) não podem ser empregados para promoção de eventos de natureza político-partidária. O uso, afirmam Drewes e Benedito, será considerado uma violação de princípios da administração pública.
“Conclui-se, pois, que são ilícitos atos político-partidários, favoráveis ou contrários ao impeachment da presidente da República, uma vez que exteriorizam ações incompatíveis com a Administração Pública, se realizados no âmbito do espaço físico de órgãos e de autarquias federais, ou, mesmo fora deles, mas se utilizando de equipamentos e insumos públicos; bem assim de sítios da internet e de redes de comunicação institucional. Por conseguinte, são atos vedados pelo ordenamento jurídico pátrio”, advertem os procuradores.
Pesos e medidas
Para o professor Cayo Honorato, que estudou na UFG e atualmente leciona na Universidade de Brasília (UnB), a recomendação distingue “brasileiros”, favoráveis à deposição da presidente, e “grupos adversos”, contrários ao impeachment. “Será que, de um lado, temos o partido e, de outro, a coletividade, os cidadãos em geral?” questiona, em postagem no Facebook.
“Fico pensando se o Legislativo não deveria receber recomendação semelhante, se os parlamentares não deveriam abdicar de suas insígnias partidárias tão logo assumissem seus mandatos”, ironiza Cayo. E continua: “Fico pensando se a USP, em razão do ato na São Francisco, onde se deu a inigualável performance da advogada Janaina Paschoal, não deveria, imediatamente, receber recomendação semelhante. Será que a defesa do interesse público é consubstancial a todas as ações do MPF e da justiça?”
Decano das Ciências Políticas em Goiás, o professor Itami Campos disse, também na rede social, que não entendeu a posição do MPF. “Falar de patrimonialismo e coisas semelhantes para proibir manifestações na universidade... Não entendi. Vivi como aluno e depois como professor a repressão do pós 1964. Fizemos assembleias e atos no âmbito da universidade. Nunca foi entendido como da universidade e nem a universidade foi citada a juridicamente por isso. Não tenho conhecimento de nenhum ato oficial da UFG pró ou contra o impeachment”, escreveu.
No recomendação, o MPF faz referência específica a um ato convocado pelos movimentos sociais, “em defesa da democracia”, ocorrido no dia 18 de março, e que contou com a presença do reitor da UFG, Orlando Amaral. "Esta universidade, nos últimos anos, passou a ter a cara dos brasileiros, passou a receber alunos de escolas públicas, negros, índios e quilombolas. Esta é a nossa universidade, do povo goiano e do povo brasileiro", discursou o reitor à ocasião.
O protesto, que contou com as presenças de lideranças da CUT e do PT goianos, como o prefeito de Goiânia, Paulo Garcia, e o deputado federal Rubens Otoni, foi noticiado no site da UFG, situação condenada pelos procuradores na recomendação.
Liberdade de expressão
Segundo o professor Magno Medeiros, da Faculdade de Comunicação da UFG, a "’recomendação’ fere gravemente o que há de mais importante na universidade: liberdade de pensamento e de expressão, direito fundamental para a construção da cidadania.”
Para o professor da Faculdade de Comunicação da UFG, pesquisador e analista político Luiz Signates, a recomendação do MPF não tem cabimento e nem mesmo valor jurídico. “Se o regime militar não conseguiu calar a universidade, mesmo indicando reitores que aprovavam o regime, como uns promotores do MPF esperam dar conta de fazer isso? Eles, no máximo, conseguirão é fazer com que a gritaria nas Ifes (institutos federais de ensino superior) se torne ainda maior”, alertou.
Jornalista do Instituto Federal de Goiás (IFG), a vice-presidente da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), Maria José Braga, comentou a polêmica: “Não podem proibir; recomendaram. No máximo, poderão apresentar ações civis ridículas, como já apresentaram no passado recente.”
Mandado de mordaça
Em nota da diretoria, o Sindicato dos Docentes das Universidades Federais de Goiás (Adufg Sindicato) classificou a recomendação do MPF como um “mandado de mordaça” e que representa um grave risco à autonomia da Universidade, além de um indevido cerceamento da liberdade de expressão de pensamento da comunidade universitária. “Com o pretexto de proteger o patrimônio público, essa recomendação visa, na prática, impedir a discussão livre dos principais problemas do Brasil, especialmente o processo de impeachment, sua legalidade e legitimidade.”
A Adufg Sindicato ressalta que a lei nº 3.834-C, de 14 de dezembro de 1960, que criou a UF G, estabeleceu que ela terá personalidade jurídica e gozará de autonomia didática, financeira, administrativa e disciplinar.
“Nem mesmo durante o Regime de Ditadura Civil-Militar a UFG e, pelo que se sabe, nenhuma outra universidade brasileira, recebeu, do Ministério Público, nenhuma ‘recomendação’ acompanhada de uma ameaça de punição e persecução tão explícita em razão dos conteúdos didáticos que deva ou não ministrar, explorar, debater ou apresentar ao corpo discente e à comunidade. Nem à época da vigência do odioso Decreto-Lei nº 477/1969 se chegou a tanto”, espantou-se a entidade.
A recomendação causou estranheza até mesmo em quem defende o impeachment de Dilma. “Não estou per dentro do teor do negócio, mas tem alguma coisa por trás disso. Sabe-se que universidades federais e IFs são praticamente aparelhos do petismo, mas nem por isso devem ser calados. Que façam seu proselitismo”, declarou o jornalista César Santos.
Brasil 247
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