segunda-feira, 25 de abril de 2016

PT deixará de ser líder da esquerda, afirma Haddad


O PT vai sobreviver as turbulências políticas, mas pode não ser mais o partido hegemônico da esquerda brasileira. “Vai ter que pensar mais o campo progressista do que o próprio partido”, diz o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT) em entrevista para coluna da Mônica Bergamo, da Folha de S. Paulo.

Para ele, “a agenda que está colocada como condição de sustentabilidade de um eventual governo Temer tenta colocar o Brasil de hoje na República Velha” e dificilmente vai prosperar.


Abaixo, os principais trechos da entrevista:


Folha – Depois de 14 anos de governo do PT, estamos num processo de impeachment liderado pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha. Como se chegou a essa situação?
Fernando Haddad – Esse processo começou há bastante tempo e se intensificou com a reeleição do Lula, em 2006. Desde então, de fato, os ricos se tornaram mais ricos, os pobres se tornaram menos pobres e uma certa classe média tradicional viu sua posição relativa em relação a essas duas outras camadas prejudicada. A classe média perdeu status. Os ricos se distanciaram e os pobres se aproximaram.

O PSDB, não podendo fazer crítica frontal política econômica e social de Lula, começou a dialogar com um conjunto de valores focado nessa classe média tradicional que não viu seus ganhos relativos representados no projeto de nação do PT.

Assumiu uma agenda de intolerância: os efeitos do Bolsa Família sobre o comportamento dos pobres, as cotas raciais e sociais para o ingresso na universidade, a questão da mulher [aborto] na eleição de 2010, da comunidade LGBT na de 2012, da maioridade penal em 2014. E foi contaminando os humores dessa classe mdia.

A classe média derrubou o governo?
A afirmação é forte para o conjunto de fatores que levou a essa situação. Mas é seguro que um fator importante foi a piora da posição relativa da classe média, que fez surgir uma equação quase impossível de solucionar: ela passou a demandar a melhora dos serviços públicos, para dispensar os privados, sem aumento de tributos.

Mas isso nem mesmo derrotou o governo em eleições.
Enquanto os ricos prosperaram e os pobres foram sócios majoritários do incremento da renda, essa agenda tinha pouca chance de prosperar. Mas vem a crise internacional e o governo adota políticas anticíclicas, espera de uma melhora do quadro internacional, que não veio.

Houve um esgotamento do modelo que permitia o ganha-ganha de empresários e trabalhadores. Ele tinha que ser substituído. Para manter foco na redução da desigualdade, seria preciso impor sacrifícios ao andar de cima.

Aí começa do conflito.
Aí começa o conflito. O impasse que o Brasil vive é exatamente esse. Ninguém sabe quem é o personagem por trás daquele pato da Fiesp. A história vai dizer. Os conflitos distributivos estão na ordem do dia. E passam pela política monetária: o quanto ela combate a inflação e o quanto representa ganhos rentistas que passaram a predominar?

Onde entra a responsabilidade da presidente Dilma nisso? E da Operação Lava Jato, que aponta corrupção do PT?
Na reeleição de 2014 ocorreram coisas significativas. Houve um divórcio como nunca se viu entre o Legislativo [de perfil mais conservador] e o Executivo. sempre difícil para um governo progressista formar maiorias no parlamento, porque a maioria para quem ele quer governar não consegue se fazer representar num sistema totalmente distorcido. Há sempre um descasamento, mas em 2014 ele foi muito maior.

Outro problema que no houve uma mera inflexo do governo em relação as políticas adotadas até então. Ele mudou o discurso em 180 graus pouco depois da eleição.

Um divórcio eleitoral.
Houve um divórcio entre a prática e a prédica. E essa mudança violenta corroeu a base dos que reconduziram Dilma ao governo. A oposição, percebendo a fragilidade, passou a defender o impeachment. Há outros fatores de esgarçamento, como a Lava Jato, que potencializou tensões já exacerbadas.É uma sobreposição de crises.

O quadro geral recomendava que se buscasse o entendimento com o PMDB. Mas o movimento do governo foi exatamente o contrário. Ele preferiu confiar em forças que demonstraram maior infidelidade, para dizer o mínimo, do que o próprio PMDB.

O impeachment golpe?
Eu compartilho da opinião de boa parte da comunidade jurídica que considera o impeachment da Dilma um casuísmo. A base para essa punição máxima é frágil.

Os pretextos usados, de contabilidade criativa, não vão ser usados contra mais ninguém, embora essa prática seja adotada extensamente por governadores e também no plano municipal. Nesse sentido, fazendo as devidas ressalvas com 1964 [em que os militares tomaram o poder], golpe.

E as consequências?
A agenda posta como condição de sustentabilidade de um eventual governo Temer tenta colocar o Brasil de hoje na República Velha. É um modelo de sociedade que eu espero que seja inaceitável para a maioria dos brasileiros, um retrocesso no que se avançou em direitos trabalhistas e sociais, por soluções hístóricas, no Brasil. É isso o que está instalado: um conflito de interesses em relação ao papel do Estado como provedor de direitos sociais básicos previstos na Constituição.

Lula sempre acreditou que seria o conciliador desses conflitos no Brasil, o personagem que agregaria as classes. E agora a ficha teria caído.
O viés do PT trabalhista. É a ideia de que possível sentar a mesa com o patrão, defender o interesse dos trabalhadores e todo mundo ganhar com isso. Lula pensa assim. E o governo que fez deu razão a ele. O que talvez não tivesse no horizonte dele é que uma crise tão severa se instalaria depois de ele entregar o pas com 7,5% de crescimento.

Foi um erro ele escolher a Dilma como candidata?
Ele não tinha opções. Como ministra da Casa Civil, Dilma correspondeu a todas as expectativas. Conhecia o governo como ninguém. E tinha uma biografia. Seria injusto fazer repousar sobre os ombros de uma pessoa toda a responsabilidade, como se o PT não tivesse responsabilidade, como se a oposição não tivesse a sua cota ao impedir que o governo se realizasse, com condições totalmente adversas no Congresso para aprovar o que quer que seja.

O que vai acontecer com o PT?
O PT vai sobreviver. Pequeno por quanto tempo, médio por quanto tempo? A história vai responder.

O partido tem muita capilaridade. Mas o PT vai ter que pensar, daqui para a frente, mais o campo progressista do que o próprio partido. Isso já estava na cabeça do Lula em 2010, quando sinalizava inclusive um apoio ao Eduardo Campos em 2018.

O PT estava consolidado, forte, em seu melhor momento, e o Lula já entendia que o partido tinha que fazer, em algum momento, esse gesto de apoiar o candidato a presidente de outro partido. Você imagina agora. Mais ainda, né? Lula já entendia, e eu concordo com ele, que o roteiro de um partido de esquerda hemogênico, em torno do qual os demais orbitam, tinha se esgotado.

Folha

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