quinta-feira, 21 de abril de 2016

Nos últimos 30 dias a esquerda avançou mais do que nos últimos 10 anos.


Há motivos para comemorar
 


Há um sentimento na sociedade de que 'é tudo farinha do mesmo saco', mas há parlamentares que não colocam seus interesses acima do interesse público.
 
Ermínia Maricato

 

Evidentemente temos de admitir uma derrota na votação do impeachment pelo Congresso conduzido por seu qualificado (para certas finalidades) presidente, Eduardo Cunha, ali mantido por interesses aparentemente inexplicáveis já que é réu no STF.
 


Não se desconhece aqui a dimensão dos interesses americanos no Pré Sal e a influência dos EUA em todo esse processo de produção da crise política no Brasil. Lendo Snowden e Assange sobre as peripécias das agencias americanas de segurança e inteligência (NSA e CIA), acompanhando os treinamentos que empreenderam junto a setores do Estado brasileiro, acompanhando ainda o processo da Lava Jato (informações podem vir diretamente das ciclópicas bacias de gravações de comunicações internas ou externas aos EUA) percebo que a realidade extrapola meus delírios mais persecutórios. A crise tem forte componente internacional.
 

Não se desconhece ainda os acertos do PT e se vamos aqui fazer críticas é com a intenção de aproveitar o momento para aprofundar mudanças e isso inclui obviamente o PT de quem muitos de nós, entre os quais Leonardo Boff e Frei Beto, esperam a indispensável autocrítica.
 

Mas quero destacar que nem tudo é motivo de tristeza nessas semanas que culminaram no inesquecível dia 17 de abril. Diria até mesmo, sem querer abusar demais da dialética, que há motivos de satisfação.

 

Como nos lembra João Paulo, líder do MST, nos últimos 30 dias a esquerda avançou mais do que nos últimos 10 anos. Saímos de uma letargia que acometeu principalmente o PT após o mensalão. Nem os acontecimentos de junho de 2013, uma senha que parece atestar o fim da hegemonia petista na política nacional, despertou a militância ou a direção do partido que ocupa dezenas de governos municipais e estaduais além do Federal. Foram 3 anos de massacre midiático durante o qual o ódio ao PT foi fomentado semana a semana, todas as horas de todos os dias.
 

O ex- porta voz de Collor, jornalista Claudio Humberto, tem uma coluna de fácil leitura em um pequeno jornal que é distribuído gratuitamente nos transportes coletivos e automóveis de São Paulo. Calúnias atrás de calúnias chegam todos os dias, durante anos, repito, às mãos dos leitores disponíveis durante as viagens. Mas esse é apenas um dos exemplos. Os mais gritantes vieram da Venus Platinada, ou TV Globo. O PT esperou que a água chegasse ao nariz para então mobilizar sua máquina, que não é nada desprezível já que conta com mais de 1 milhão de filiados.
 

A boa notícia é que não só o PT saiu do atoleiro (e parece que o ataque ao Lula e sua reação foram determinantes para isso) mas toda a esquerda começou, ainda que tardiamente, a se reunir. Segundo pesquisa da FPA- Fundação Perseu Abramo, aproximadamente 30% dos participantes do último ato na Avenida Paulista contra o impeachment eram simpatizantes ou participantes do PSOL.
 

Durante o último mês o apoio ao impeachment diminuiu muito como mostrou o Data Folha. Com o avanço das manifestações de rua, multiplicação de manifestos, atos em universidades, ampliação da presença dos blogs ou multiplicação de informações nas redes, milhares de jovens que tinham aderido ao senso comum promovido pela grande mídia começaram a duvidar de tudo o que ouviam. Mas foi a entrada dos artistas, cantores, atores, cineastas, escritores, entre outros, que marcou uma saída do aparente isolamento e dispersão em que nos encontrávamos. Humor e criatividade são essenciais para enfrentar a pobreza do senso comum, o cinismo (especialmente do processo da Lava Jato) e as ideias que namoram o fascismo.
 

A verdade liberta. Da Biblia à Freud, passando por Marx, entre muitos outros, o que interessa ressaltar aqui é que as versões começaram a ser questionadas. Até mesmo o fatídico evento da votação do impeachment na Câmara Federal me pareceu proveitoso se nos protegermos dos seus efeitos sobre o aparelho digestivo. Porque ele foi profundamente revelador. Até mesmo experientes analistas políticos se surpreenderam com a performance dos deputados federais conservadores. Tratou-se de um espetáculo didático.
 

Netos e netas, filhos e filhas, esposas e esposos, pais e mães, e até amigos (!) foram mencionados de forma exagerada por biotipos característicos da elite branca, endinheirada e, devemos acrescentar, em grande parte, emergente. Não se tratava, no mais das vezes, da referência ao conceito de família mas da minha família com nomes individuais sendo citados à moda de programas de rádio, de forma até infantil. Deus mesmo, ficou em segundo plano.
 

Alguns analistas consideram esse Congresso o retrato da sociedade brasileira. Não não é. É o Congresso resultante das alianças políticas alargadas, do financiamento empresarial de campanha eleitoral, e do monopólio das mídias. Vamos lembrar do caso do PP
 

O PP foi um dos partidos que mais cresceu na última eleição. Cresceu alimentado, por exemplo, pelo controle sobre o Ministério das Cidades e parcelas da Petrobrás. A política foi reduzida a um amontoado de obras que, no mais das vezes, negou planos e prioridades sociais. As obras de mobilidade realizadas por ocasião da Copa do Mundo negaram a prioridade à mobilidade de massa. Cada vez mais poderosas as grandes empreiteiras, secundadas pelo mercado imobiliário definiram onde e no que os investimentos seriam feitos. Ou seja, o PP deve, especialmente, ao PT, seu crescimento parlamentar. E como votou ele? Estamos diante de um caso onde melhor se aplica a expressão “cría cuervos y te sacaran los ojos.
 

Felizmente o PSOL, que nunca foi contemplado com cargos votou dignamente. Também mostraram consistência na esquerda o PC do B e PDT. Ëntão saudemos mais algumas revelações luminosas: a política de conciliação a qualquer preço estava errada. Existe sim esquerda e direita. Existe sim dignidade na Câmara Federal e olha que não são tão poucos. Há um sentimento em setores da sociedade que “é tudo farinha do mesmo saco”. Não não é. Há parlamentares que contrariam interesses da mídia, dos poderosos e não colocam seus interesses acima do interesse público. Eles são mais de uma centena! Essa verdade precisa chegar ao povo. Saudemos ainda a unidade da esquerda. A formação das Frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo e o posicionamento do PSOL e PDT mudaram o quadro da esquerda rapidamente.
 

A FBP, Frente Brasil Popular está apostando numa construção ou reconstrução de médio prazo com a elaboração de uma proposta para o Brasil. Para muitos de nós há vida fora do aparelho de Estado. Quando o preço da governabilidade é tão alto que termina por fortalecer a direita é hora do passo atrás para recuperar as forças.
 

Finalmente teremos eleições municipais este ano. É uma boa oportunidade de retomar o protagonismo dos poderes locais e das cidades. Como lembra Fernando Haddad, a partir das cidades é possível enfrentar a crise econômica/política e social. Oxalá a esquerda não se disperse.
 

Não serei o poeta de um mundo caduco.
Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros.
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considero a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.
Carlos Drummond de Andrade


Carta Maior

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