quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Justiça, Democracia, crimes políticos


OUTROS ARQUIVOS PARA A FOLHA DESARQUIVAR

A Folha de São Paulo deve pedir à Justiça Militar a liberação de outros processos contra ativistas, como fez com o da presidente Dilma. Isso comprovaria de fato a "vitória de toda a sociedade", como diz o jornal". A NovaE desarquiva artigos e matérias para que o tema não caia no esquecimento, como a história de Honestino Guimarães (Foto), que tem site que resgata sua história. Acesse.

Honestino Guimarães

Com as novas descobertas de duas ossadas em valas clandestinas no cemitério de Xambioá-TO, com suspeitas de serem de participantes da Guerrilha do Araguaia, temos novamente no noticiário o período mais sombrio da história brasileira; que parece não ter fim. E a vala de Honestino?

Inúmeros líderes políticos e personalidades atuais, ativistas em sua época estudantil em diversos movimentos, estão hoje presentes, e vivos, na sociedade. Para esses, a "sorte" de serem banidos, extraditados; terem fugido e permanecido na clandestinidade como recurso para sobrevivência.

Outros tiveram como destino a vala clandestina, e as vezes ainda desconhecida. Vítimas emudecidas pelos anos duros da ditadura militar. Entre tantos que pereceram dando asas aos próprios ideais libertários, idéias próprias de uma juventude destemida e politicamente consciente estava Honestino Guimarães. Era outubro de 1973. É nossa obrigação relembrarmos nossa história.

Militante incansável

Honestino Monteiro Guimarães, nascido em Goiás, na pequena cidade de Itaberaí em 28 de março de 1947. A partir de 1960 sua família muda-se para os arredores de Brasília, uma capital em construção.

Quando estudante secundarista já se interessava e participava ativamente dos movimentos políticos estudantis. Um jovem comum que teria com certeza seu blog militante se vivesse nos dias de hoje.

Estudante da Universidade Nacional de Brasília (UnB) a partir de 1964, quando classificou-se em 1° lugar para o curso de geologia, com apenas 17 anos. Nome que sempre esteve associado aos movimentos estudantis de meados da época de 60 até 1973, quando foi preso no Rio de Janeiro. Nunca mais foi visto. Seu nome permanece até hoje entre os presos políticos desaparecidos, vítimas de extremismos praticados no decorrer do governo militar. O site do Movimento Tortura Nunca Mais traz um resumo de 28 anos dessa busca. Nada foi encontrado. Segundo a presidente do Movimento, Sra. Amparo Araújo, é importante que se resgate a memória destes acontecimentos. "Principalmente em datas como a do desaparecimento de Honestino".

Preso militante

Admirado, exercitava o respeito e compromisso com seus companheiros, conforme declarações de vários amigos em livros e jornais. Foi preso e torturado em Brasília. Seus companheiros de prisão deixaram registrados em diversos dossiês sobre desaparecidos a forma como Honestino utilizou de um recurso extremo -- para evitar falar e, portanto, não envolver outros companheiros -- de tentar engolir parte de sua própria camisa. Classificava o ato como obrigação de todo revolucionário 1.

Trazia consigo uma certeza pessoal que esse comportamento e seu esforço iria culminar em um Brasil melhor. Possuía a personalidade de um verdadeiro líder.

Carismático, expunha-se e fazia questão de envolver-se com os movimentos políticos estudantis em momentos tão delicados da vida política brasileira.

Contemporâneo de outros líderes estudantis como Jean Marc Van der Weid, Luís Travassos, José Dirceu - hoje deputado estadual pelo PT (Partido dos Trabalhadores) -, Wladimir Palmeira, José Genoíno - atual deputado federal pelo PT -, participou do Congresso Nacional da UNE (União Nacional dos Estudantes) em abril de 1969 cuja contagem de votos deu a vitória à Jean Marc e a nove vice-presidentes, entre eles Honestino, então presidente da FEUB (Federação dos Estudantes da Universidade de Brasília).

Onde está Honestino?

Em época policial classificada como "guerra" por alguns burocratas, delicada para as liberdades democráticas e individuais, os diretores da UNE eram perseguidos pelo governo, com atuação repressora intensa. Obrigados a atuar na clandestinidade, utilizavam nomes falsos e agiam com muita cautela. (ao lado, última foto de Honestino, fonte: www.honestinoguimaraes.com )

Em 1969 esteve em visita ao Brasil Nelson Rockfeller, um dos empresários expoentes do capitalismo americano. Aqui o significado maior contra a visita do americano era a oposição à intromissão dos americanos, seu apoio ao regime militar com todo seu aparato de repressão, ao seu papel de apoiador às atividades no treinamento de técnicas de tortura pelos representantes do regime. Em uma das manifestações ocorridas no período da visita de Rockfeller, Honestino discursou perante aqueles que acompanhavam a manifestação no centro da cidade de São Paulo e ousou queimar a bandeira norte-americana.

Jean Marc foi preso em 69 e banido do país em janeiro de 71. Luís Travassos, Wladimir Palmeira e José Dirceu também foram para o exterior. As principais lideranças do movimento estudantil relacionadas à UNE estavam distantes e sua presidência vaga. Honestino foi indicado para ocupá-la.

Os anos seguintes, após assumir a presidência da UNE, foram de clandestinidade total. Persistiam as perseguições e dificuldades de atuação. Apesar disso, no decorrer de 1970, foram realizadas manifestações de rua em 1° de maio e no aniversário de morte de Edson Luiz (Edson Luiz de Lima Souto, estudante assassinado no Rio em um protesto no restaurante estudantil "Calabouço" que deflagrou no país a luta estudantil não só contra a política educacional do governo e sim contra o próprio governo).

Ele sabia que ia ser morto

Inúmeras eram as ameaças por telefonemas à sua família ou através de companheiros que eram presos. "Se nós te prendermos, vamos te matar", era o recado de sempre. As ameaças valeram um testemunho pessoal e político intitulado Mandado de Segurança Popular.

Após permanecer durante quase cinco anos na clandestinidade, Honestino foi preso em 10 de outubro de 1973, no Rio de Janeiro. Honestino Monteiro Guimarães, último presidente da UNE durante o regime militar, desapareceu.

Líderes estudantis, sindicalistas, operários, professores, jornalistas, políticos, enfim pessoas perseguidas, torturadas e assassinadas. Muitos desaparecidos cuja história um dia terá que ser contada como ela foi.

História recente que não aparece nos livros escolares, mas que temos a obrigação de deixar pulsante em mentes e corações.

Luiz Cirne, especialista em tecnologia da informação e Internet
Artigo publicado em 2001

Para mais informações: www.honestinoguimaraes.com

Nota:
1- Novembro de 2010 Este artigo, publicado originalmente em 2001, foi elaborado a partir de várias fontes. Sobre a afirmação "engolir a camisa para não falar", foi extraída da publicação "História Imediata vol. 5", "A volta da UNE", publicada em 1979 pela editora Alfa-Ômega, cujos redatores foram Luiz Henrique Romagnoli e Tânia Gonçalves.

Blog: NovaE

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