O filme é de 1971 e fez enorme sucesso. Clint Eastwood, hoje um dos melhores diretores do cinema americano, é um detetive durão que, irritado com a soltura de um suspeito por falta de provas, inicia uma obsessiva perseguição no velho estilo Bolsonaro: “bandido bom é bandido morto”. Dirty Harry, o herói truculento, considera as provas secundárias, o importante é a convicção: confia no seu faro, no seu instinto justiceiro. A violência extrema é a sua marca, não respeita regras. Usa e abusa do seu poderoso e fumegante Smith & Wesson Magnum 44, um verdadeiro “canhão”.
Neste mês de dezembro a justiça brasileira moveu a quinta ação contra Lula. Três só da operação Lava Jato, uma da Zelotes. Com ampla cobertura da grande imprensa, é claro. O cenário está posto: com Temer balançando e Lula liderando as pesquisas de opinião ele é e cada vez mais vai ser o alvo preferencial. Ele é vítima de uma perseguição implacável, algo capaz de fazer a gente sentir vergonha do judiciário e do ministério público do país.
Moro, a nossa versão cabocla de Dirty Harry, cada vez mais torna visível sua parcialidade: há dois episódios recentes em que ele abandona seu papel de magistrado, toma partido e passa a orientar o depoimento de duas testemunhas para incriminar Lula. Um escândalo. O protesto dos advogados de Lula teve como resposta a clássica prepotência proferida naquela sua desagradável vozinha de taquara rachada: “o senhor não tem a palavra, exijo respeito a este tribunal”. Tudo isso aos berros, é claro.
O Código de Ética e a Lei Orgânica da Magistratura estabelecem várias normas que devem orientar o comportamento de um magistrado. Proíbe que ele busque “injustificáveis e desmesuradas formas de reconhecimento social, especialmente autopromoção em publicações de qualquer natureza”. Veda que o juiz “emita opinião sobre processo pendente de julgamento, seu ou de outrem ou que torne público juízo sobre despachos, votos ou sentenças.” O comportamento de Moro é exemplo claro da violação desses princípios. Ele deu entrevista afirmando ser “lamentável” que Lula tenha processado o delegado Felipe Pace que o acusou de estar na lista da Odebrecht. Defendeu também Dallagnol, o procurador que coordenou a ridícula exposição do “power point” em Curitiba que, pela ampla cobertura midiática, ficou famosa. Lamentavelmente continha tudo, menos provas. Rodrigo Janot também adotou uma posição equivocada, menor, corporativa ao defender publicamente seu colega Dallagnol. Ele não deixa nenhuma dúvida de que lado está. Aliás, a atuação do ministério público federal (MPF) tem sido uma decepção. Fortalecido pela Constituição de 1988 a gente acreditava que o MPF seria o oxigênio necessário para fortalecer a cidadania e a República. Até agora não cumpriu seu papel. Assimilou os vícios de um judiciário conservador, braço auxiliar da elite, que se preocupa basicamente em atender seus interesses – especialmente os pecuniários -, além de assegurar suas prerrogativas especiais. Segundo Eugênio Aragão, falta-lhe um núcleo pensante que faça leitura adequada do cenário político. Os procuradores mais conscientes devem lutar para constituir uma associação de classe não corporativa que defenda valores democráticos. O poder judiciário já tem a sua, os “Juízes para a Democracia”, que embora minoritária, é uma esperança de democratização do poder.
Sérgio Moro não deixa dúvida de que tem lado e de que lado está. É presença constante em eventos do PSDB. Numa descarada, ridícula premiação do Grupo Abril, que concedeu a Temer o título de “Líder do Brasil 2016” (inacreditável!!!!), lá estava Moro, num animado e fraterno papo com um provável indiciado da Lava Jato, o Aécio Neves. Moro promoveu criminosos vazamentos ilegais, seletivamente entregues ao Jornal Nacional para provocar o efeito certo, no momento previamente combinado. Uma vergonha. O CNJ assiste passivamente a tudo isso. Do Supremo não se pode esperar nada: “suas excelências”, com raras exceções, viraram “estrelas” midiáticas em guerra: se aproveitam do momento de fragilidade dos poderes executivo e legislativo e disputam “pequenos farelos de poder”.
Li dias atrás um texto que muito me agradou num dos sites e jornais digitais que visito diariamente. O autor se referiu às múltiplas ações contra Lula observando que elas acumulam indícios, aumentam as suspeitas, mas não chegam a nenhuma prova. Os indícios fazem crescer a convicção de culpa que contrasta com ausência de fatos concretos. O perigo é que a convicção vai aumentando e quando chegar em 100%, não importa que não existam provas, a condenação vem. Ou seja, o perigo é Lula ser preso por faltas de provas.
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Paulo Muzell é economista.
Sul 21
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