O jornal me pediu um textinho sobre o filme de Billy Wilder, em função desse drama com os mineiros chilenos. Escrevi pouco, mas o espaço era mínimo. Aí embaixo vai a íntegra.
A Montanha dos Sete Abutres (1951) é uma das mais agudas críticas já realizadas pelo cinema ao jornalismo sensacionalista. Com a verve de Billy Wilder, e uma ótima atuação de Kirk Douglas, cria uma história aparentada ao drama por que passam os mineiros chilenos. No filme, um minerador (Richard Benedict) fica preso em uma galeria devido a um deslizamento. Douglas interpreta o repórter Chuck Tatum, que vê no caso excelente oportunidade para realizar reportagens de grande impacto. O detalhe é que o minerador poderia ser resgatado sem maiores dificuldades, mas o repórter o mantém preso na caverna para que possa continuar a produzir sua série de matérias.
O passado de Tatum “explica”, se o verbo cabe, sua voracidade pelo furo jornalístico. Repórter de sucesso em grandes jornais, caiu em desgraça e, sem alternativa profissional, foi parar num jornaleco de província do Novo México. Quando seu novo editor ingenuamente lhe sugere uma pauta positiva, como o aumento na colheita de cereais da região ou coisa que o valha, Tatum responde com essa frase tornada clássica do anedotário das redações: “Good news is no news”.
Se boa notícia não vende jornal, má notícia pode ser ótima fonte de renda. E oportunidade única para recuperar uma carreira em declínio. Por isso Tatum se apega com as duas mãos à desdita do mineiro. Convence o prefeito e a própria mulher da vítima (Jan Sterling) que essa é uma oportunidade única de chamar a atenção da mídia nacional para o lugarejo, atrair turistas de fora e curiosos da própria região. Todos lucrariam com isso, dos hotéis e restaurantes ao próprio jornal. Ele mesmo seria o principal beneficiário desse drama humano bem vendável, que poderia levá-lo de volta ao topo da profissão. O problema é que tudo isso precisa de tempo para se realizar. Com a conivência de todos, o pobre homem é mantido em sua prisão enquanto Tatum controla a exclusividade das informações. É cruel.
Billy Wilder fora jornalista profissional em sua Viena natal antes de emigrar para os Estados Unidos e se tornar cineasta de sucesso, dirigindo Marilyn Monroe e outras estrelas. Conhecia por dentro o métier e suas armadilhas. Se em A Montanha de Sete Abutres retratou de forma amarga o desvio sensacionalista do jornalismo, em A Primeira Página (1974) voltou ao tema sob a forma da comédia rasgada, com o repórter Jack Lemmon e seu editor Walter Matthau compondo uma dupla inesquecível. Qualquer curso sério de jornalismo deveria incluir os dois filmes no currículo.
Estadão
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