Em seu favor, é preciso reconhecer que o protagonismo do Partido dos Trabalhadores expressa o modo peculiar como ocorre no Brasil, na época que ainda estamos vivendo, a ascensão política de extensos grupos e categorias sociais historicamente marginalizados.
(...) Onde os outros partidos haviam fracassado ao
longo da história, o PT, supostamente, tinha uma fórmula de integração dos desvalidos que os faria protagonistas de democracia, de disseminação dos direitos sociais e da emancipação política de todos. No desenrolar da História e na fragilidade da interpretação, a fórmula foi sacrificada pelo afã de poder, não só dos dirigentes, mas também das bases.
É a metamorfose de que trata este livro, que expressa a análise de um observador preocupado e de um simpatizante vencido pelas rupturas entre o utópico e o real. O livro é um convite aos que viveram a apreensão com o desmanche, a que compartilhem uma compreensão dos impasses e das vicissitudes de cada momento dessa história. História não depende de vontade política, como acreditavam e diziam aos trabalhadores muitos petistas das bases, mas das circunstâncias e de suas invisíveis determinações que contrariam o querer de cada um e levam a nave do poder para rumos desconhecidos.
As entrevistas que o autor deu sobre o PT e a figura épica de Lula e seus artigos sobre o tema, dispersos em mais de dez anos de atividade jornalística, reunidos neste livro, são textos de análise sociológica tópica da cambiante conjuntura política dos mandatos do partido. A dos sucessivos momentos de ruptura entre o PT do poder e o PT das lutas sociais, sobretudo o PT dos movimentos sociais e das bases religiosas, em especial a católica. Neles utiliza o autor uma técnica de interpretação do processo político brasileiro baseada na seleção de marcadores, como na medicina os marcadores tumorais, que são indicadores de referência do próprio organismo do paciente para avaliar a evolução de seu estado de saúde.
Também na sociologia é possível escolher indicadores sociais estratégicos, na realidade observada, que permitem acompanhar a dinâmica social e verificar o quanto a realidade se afasta ou se aproxima dos valores, normas e concepções que lhe são constitutivamente referenciais.
O pesquisador escolheu para isso a CPT – Comissão Pastoral da Terra, o MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra e a região industrial do ABC, em São Paulo, o berço do nascimento político de Lula e do PT. São referências contrapontísticas para avaliar quanto ações de Partido e governo se aproximam e ou se afastam de seus valores característicos.
Nas tensões e contradições do processo político, o Partido dos Trabalhadores foi capturado pelo imenso poder da trama do poder e aparentemente extraviou-se na lógica do que havia combatido. Grandemente inspirado no belo profetismo católico, o PT viu-se capturado pelo antagônico, o Rei, o poder, distanciando-se do seu ideário bíblico.
Neste livro, em sucessivas análises dos momentos do processo político, o autor expõe os marcos da metamorfose do partido político no poder, na qual é o poder que se revela, independentemente de partidos, nos vícios e arcaísmos de um regime republicano cronicamente distante do povo e da democracia. Mudamos para ficar no mesmo lugar. Uma das análises foi escrita e publicada no dia da posse de Lula, 1º de janeiro de 2003. Com base no que é próprio da tradição republicana brasileira, a do repetitivo disfarçado, e na ruptura de compromissos anunciada pelo partido na Carta ao Povo Brasileiro, já era possível vislumbrar o governo que se iniciava como uma viagem imaginária da arca de Noé, que parte e chega ao mesmo porto do Lago Paranoá, supondo ter chegado a outro lugar.
Ao longo de 13 anos, o autor analisa os sucessivos momentos da ruptura do PT consigo mesmo para chegar à crise atual, que não é só do Partido, mas também do Estado e da sociedade brasileira. Um convite à compreensão da política nos aspectos miúdos do processo político para que possamos compreender os impasses em que estamos nos perdendo
José de Souza Martins, Do PT das Lutas Sociais ao PT do Poder, Editora Contexto, São Paulo, 2016, 256 páginas.
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