segunda-feira, 4 de janeiro de 2016
Ao rapaz que se parecia com Deus
Esquerda Democrática
Em seu novo livro programado ainda para 2015, Florisvaldo Mattos publicará o poema “Ao rapaz que se parecia com Deus”, dedicado a Carlos Nelson Coutinho, marxista inquieto e figura marcante de sua geração. O poeta baiano, a propósito, revela um segredo biográfico presente na confecção do texto: “A frase que arremata o poema no último verso, do dramaturgo romano Terêncio, eu a ouvi pela primeira vez na voz de Carlito, nos inícios dos anos 1960, ele ainda creio estudante de Filosofia, na UFBA, e eu jornalista do ‘Diário de Notícias’, pertencente à cadeia dos Diários Associados de Assis Chateaubriand, como uma das frases da devoção de Karl Marx, já guru dele na época”.
Ao rapaz que se parecia com Deus
A Carlos Nelson Coutinho, “in memoriam”
”Homo sum: nihil humani a me alienum puto” (Terêncio)
Nas vastas pradarias em que me converti nativo,
Em que, livre, desarmei cercas e ergui um povoado,
Juntei nuvens, pássaros e animais de carga
E deles tirei um para percorrer o que era só campo
E mata fora. Mirei o horizonte com desconforto
Sensível. Pelas tardes juntei mais nuvens e mais pássaros
E, com eles, formei o meu rebanho; me recompus.
Por detrás do céu percebi luz de treva enamorada
E me contentei em saber e sentir que não estava só.
Dali parti para o nada com as cores de meu sonho,
Me adivinhei descoberto, porém jamais perdido. Logo,
Sigo os passos da luz, sem inimigos conhecer,
Porque todos me veem como um deus entre malvas,
Tiriricas, sensitivas, cansanção e moitas de espinho,
Cerne de dor que torna a vida um jogo entre paixões,
E o corpo, um advento que ao destino nos transporta.
Não sei o que a água oculta; se ninfas, se anjos rebelados;
Me percebo, me educo com respirações de olvidos
E não me revolto por ser súdito no reino do silêncio.
Não me atrevo a sorrir, mas a chorar me recuso.
Homem sendo e ouvindo dia e noite antiga voz,
No íntimo, guardo: nada que é humano me é indiferente.
Milton Temer
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