Após reintegração de posse de edifício abandonado no centro de São Paulo, famílias se mudam para a calçada em frente à Secretaria Municipal de Habitação.
Segundo Maria do Planalto, uma das coordenadoras do acampamento, opção dada pela prefeitura seria ida a albergues, onde famílias, muitas com crianças, seriam separadas. Em entrevista, ela cobra soluções do poder público.
Ana Paula Salviatti
São Paulo – Desde o início do ano, pelo menos 14 reintegrações de posse de edifícios ocupados por famílias sem-teto foram realizadas na cidade de São Paulo. Entre as mais recentes, na última semana de agosto, está a desocupação de um prédio abandonado no número 908 da avenida Ipiranga, na região central.
Depois de serem desalojadas após dez meses no local, as famílias decidiram acampar em frente à Secretaria Municipal de Habitação. Isso ocorreu, explica Maria do Planalto, uma das coordenadoras da ocupação, porque a única opção oferecida pela prefeitura foi levar os sem-teto a albergues, onde só existe pernoite e as famílias, muitas com crianças, não permaneceriam unidas.
“É onde ficam os moradores de rua. Onde só existe o pernoite. A gente chegaria à noite, mas às 6 horas da manhã teria que sair com os filhos, passar o dia na rua e voltar para dormir. Além do que homens iriam pra uns, e mulheres iriam pra outros”, disse ela. O caso permanece sem solução.
A Carta Maior entrou em contato com a prefeitura, mas não obteve resposta até o fechamento desta reportagem. Uma das opções apresentadas por Maria do Planalto trata-se de um projeto de moradia no bairro de Guaianazes.
A assessoria da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo (CDHU), que poderia responder sobre o assunto, não tinha informações sobre as negociações relativas ao terreno. Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista.
Carta Maior – Em que circunstâncias se deu a reintegração de posse da ocupação Ipiranga?
Maria do Planalto – Aconteceu em 28 de agosto. Um dia antes, tivemos uma reunião com a prefeitura e ela nos deu duas alternativas: ou albergue, ou a calçada. Aí nós ficamos com a calçada. Os caminhões levaram nossas roupas, alimentos. Nós viemos para cá com a cara e a coragem, e algumas coisas que a gente conseguiu pegar para ficar aqui. Mas eles levaram para o galpão que fica longe, e para trazer as coisas de volta tem que pagar. Como a gente não tem dinheiro, estamos pegando caixote na rua. Nós viemos sem alimento, sem roupa. Tem uma menina aqui que está com a roupa do corpo, ela toma banho e coloca a mesma roupa. Estamos numa situação precária, então, se alguém puder ajudar com alguma roupa, leite para as crianças, copo descartável, a gente agradece muito. Na hora da reintegração, a própria polícia deu quatro horas a mais, aguardando alguma solução. Mas a prefeitura não mandou assistente social, não mandou nada. Os soldados da PM foram mais humanos do que o próprio poder público.
CM – Quais são as condições do alojamento oferecido pela prefeitura?
MP – Se eles tivessem nos oferecido um alojamento, seria uma coisa. Nossa mudança iria toda para um mesmo lugar. Mas não, eles nos ofereceram albergue ou calçada.
CM – O que são exatamente os albergues?
MP – É onde ficam os moradores de rua. Onde só existe o pernoite. A gente chegaria à noite, mas às 6 horas da manhã teria que sair com os filhos, passar o dia na rua e voltar para dormir. Além do que homens iriam pra uns, e mulheres iriam pra outros. A prefeitura, no dia 27, deixou bem claro que não tinha verba. Então nós falamos: não cumpra a reintegração, nos deem mais tempo. Mas não, só tivemos duas opções.
CM – Vocês estão sendo assistidos juridicamente?
MP – A defensoria conseguiu a liminar do alojamento, mas a prefeitura não cumpriu, não obedeceu a liminar. Ou seja, teria a reintegração caso houvesse o alojamento, só que a prefeitura não cumpriu. A liminar não foi nem sequer derrubada, tanto que aqui, na calçada, está valendo. Como eles não deram alojamento, eles não podem nos tirar daqui.
CM – E como está o dia-a-dia das pessoas no acampamento?
MP – O pessoal trabalha. As crianças estudam aqui na Estação da Luz. Estão indo na escola com a roupinha que tem. Se der para tomar banho, toma, se não der, vai assim mesmo, porque não pode perder a aula, né?
CM – Vocês tem alguma reivindicação específica? O que vocês estão pleiteando junto a prefeitura neste momento?
MP – Ou que oferecesse o alojamento, para que as famílias pudessem sair dessa situação, ou então que a CDHU desse autorização para começar nosso projeto em Guaianazes. São 640 unidades que as famílias já negociaram em 2008.
CM – Você poderia falar mais sobre esse projeto?
MP – A primeira reintegração enfrentada por essas famílias ocorreu no dia 23 de novembro de 2008, lá na comunidade em que elas moravam, no Alto Alegre. De lá pra cá, foram feitos cinco acordos, só que nenhum dos três níveis de governo os cumpriu. Em 11 de agosto, lá na CDHU, nos foi oferecido um terreno em Guaianazes onde cabem as 640 famílias do Alto Alegre. Neste terreno, já existe a opção de compra e venda, mas falta a CDHU autorizar que a Caixa Econômica Federal comece o projeto. O problema é fácil resolver, falta ter vontade política e política pública para famílias de baixa renda.
Carta Maior
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