terça-feira, 4 de setembro de 2012
Movimentos no interior limpam a corrupção das oligarquias
Diversos exemplos demonstram o combate que vem mudando a histórias de corrupções nos municípios do interior, transparência e sistema de participação no orçamento são algumas das soluções que ajudaram a desvendar as principais barragens que impediam o devido destino do dinheiro público.
Pagina 22
Do Congresso Nacional às pequenas prefeituras do interior, os crimes contra o patrimônio público são tão antigos quanto o próprio país. Escândalos de corrupção garantem um fluxo constante de manchetes na imprensa. Os esquemas fraudulentos e desvios de dinheiro público cascateiam do nível federal até os pequenos municípios, mas é nestes que seus estragos são mais claramente percebidos. Afinal, é no âmbito local que as pessoas sentem diariamente a precariedade da infraestrutura e dos serviços de educação e saúde. Nos últimos anos, é também neles que os movimentos anticorrupção começam, aos poucos, a mudar essa história.
Ribeirão Bonito – cidade com cerca de 12 mil habitantes na região central do estado de São Paulo – é um exemplo. Há 13 anos, ninguém achava possível desgrudar corruptos da máquina pública. Hoje a população não só sabe que é possível como vive atenta aos gastos da prefeitura. A história começou a mudar quando um grupo de amigos resolveu doar tempo e talento para ajudar a cuidar de Ribeirão Bonito. Eles achavam que sua querida cidade estava sendo maltratada, com parques e praças mal conservados. Criaram a Amigos Associados de Ribeirão Bonito (Amarribo) e elegeram uma praça para começar o trabalho.
A revitalização deu certo e injetou ânimo no grupo. Começaram a discutir novas ações e deram-se contaram uma variedade de desvios – da merenda escolar à aquisição de combustíveis. Foi o início de um trabalho que se tornou referência nacional. Hoje a organização atua em duas frentes: a associação local e uma rede de organizações da sociedade civil com mais de 200 afiliados no País, a Amarribo Brasil.
A investigação daqueles desvios, que somavam cerca de R$ 1 milhão, resultou em ação civil pública contra o então prefeito, Antônio Sérgio de Mello Buzzá, solicitando o seu afastamento. Em 2002, para escapar de uma prisão preventiva, Buzzá renunciou e fugiu de Ribeirão Bonito. A notícia do ex-prefeito fujão, bem como o trabalho da Amarribo para denunciar suas falcatruas, foi parar no Jornal Nacional. A repercussão resultou na prisão de Buzzá meses depois em Rondônia e em uma enxurrada de e-mails e telefonemas para a Amarribo.
Tratava-se de pessoas e organizações de todo o Brasil querendo ajuda para fazer o mesmo em seus municípios. “Entramos em pânico, não podíamos deixar de atender, mas éramos voluntários”, lembra Verillo. Daí nasceu a ideia de escrever uma cartilha que mostrasse o bê-á-bá do combate à corrupção nas prefeituras.
A repercussão gerou apoio popular também em Ribeirão Bonito. As pessoas passaram a acreditar que é possível mudar a gestão pública e a associação começou a colecionar vitórias. Hoje a prefeitura divulga mensalmente os pagamentos e dá explicações quando surgem dúvidas. “Antes o prefeito era visto como um intocável que pode tudo, hoje a população sabe que, se desviar, ele pode ser retirado do cargo”, diz Verillo.
Mas ainda há muito para avançar. A apresentação e a discussão do orçamento municipal, por exemplo, ainda possuem uma linguagem cifrada para o público. Verillo diz que isso acontece não apenas por má-fé, mas também porque vereadores e gestores não sabem como fazer isso de forma acessível.
Para a população em geral, fiscalizar e participar do orçamento são coisas muito novas. Mas o movimento está crescendo. “O Brasil ainda não tem tradição de participação popular nessa atividade”, aponta Verillo. É um movimento lento, mas constante. E o contato com esse movimento mostrou uma realidade estarrecedora a Verillo. “Não tínhamos noção de que a corrupção era tão espalhada e tão profunda. A grande maioria das cidades do Brasil tem desvio de recurso.” Um problema que custa muito caro à população.
PRISÃO DE PREFEITOS
O jornalista Fábio Henrique Carvalho Oliva sabe bem o preço que a população paga pelos desvios de dinheiro público em Januária, 65 mil habitantes, Norte de Minas Gerais. Anos atrás seu pai morreu em uma ambulância sem combustível nem oxigênio a apenas 30 quilômetros do hospital para onde estava sendo transferido.
Na época a família ficou indignada e chegou a pensar em fazer algo, mas acabou deixando passar. Alguns anos depois um sobrinho de Oliva foi levado ao mesmo hospital com convulsões. Lá a família foi orientada a levá-lo a Montes Claros, maior município da região – distante 160 quilômetros.
Segundo a funcionária que os atendeu, naquele momento não havia médico de plantão, tampouco medicamentos, equipamentos ou suprimentos necessários para atender o paciente. O drama pessoal reacendeu a revolta da família que, junto com amigos, criou em 2004 a Associação dos Amigos de Januária (Asajan).
Oliva baixou a cartilha anticorrupção da Amarribo e entrou em contato em busca de orientação. Inicialmente, a Asajan era um grupo de oito pessoas determinadas a investigar as contas públicas e desmanchar as barragens que impediam o dinheiro público de chegar a seu destino. Recebeu de presente de uma conselheira de saúde três caixas de cópias de documentos coletados com funcionários indignados, mas temerosos. Ali, a Asajan encontrou cópias de uma licitação para material escolar onde constava a compra de 6 mil apagadores e um volume absurdo de cadernos, considerando-se as 120 escolas de Januária. Descobriram ali um desvio de R$ 350 mil que levou o prefeito Josefino Lopes Viana à prisão em 2006.
A partir desse momento, a população, que via o pessoal da Asajan como uma espécie de Dom Quixote, passou a acreditar que é possível combater a corrupção. “A prisão do prefeito deu coragem aos cidadãos”, diz Oliva. Choveram no Ministério Público denúncias de todo tipo, dos grandes esquemas até os pequenos desvios, como motoristas tirando combustível de ambulância para veículos particulares. Uma combinação entre o trabalho investigativo da Asajan e a ação do Ministério Público e do Judiciário resultou em uma história rocambolesca: entre 2004 e 2007, Januária teve sete prefeitos. Eles encontraram desvios em tudo: licitações fraudadas, nepotismo, contratações fraudulentas, até mesmo a máfia das ambulâncias [2] andou por lá e resultou na prisão de outro prefeito, João Lima, sucessor de Viana. E a cidade ainda não pode ser decretada zona livre de corrupção. O atual prefeito, Maurílio Néris de Andrade Arruda, é alvo de duas ações de improbidade administrativa e atualmente está com seus bens bloqueados na Justiça.
Qualquer um que se detenha no noticiário se questiona, perplexo, como a população continua elegendo políticos corruptos. Para Oliva, pelo menos nos municípios, a explicação vai além do simples “o povo não sabe votar” tão comum de se ouvir. Ele lembra que a parcela mais pobre da população, a mais afetada pela corrupção por ser dependente dos serviços públicos, é também a que menos se revolta e denuncia. Trata-se da parcela mais vulnerável dos habitantes de cidades onde o prefeito controla tudo: saúde, educação, segurança pública.
Quanto menor o município, mais difícil é se rebelar. Basta dificultar uma vaga na escola, complicar um atendimento em saúde, forjar uma batida policial, demitir ou repreender um parente que trabalha no serviço público municipal – os primeiros a sofrer represálias quando surgem denúncias. Por medo não se denuncia, por falta de opção e esperança, vota-se. Oliva já foi agredido em um aeroporto, já sofreu atentados e hoje anda em um carro blindado, entre outras medidas de segurança. “Procuro não dar chance pro azar.”
ROUBAVA-SE ATÉ XEROX
Vem do Paraná um exemplo de que é possível eliminar a corrupção na gestão municipal. Realeza, no Sudoeste do Estado, viveu uma transformação radical nos últimos sete anos e meio. De quase inexistente, a coleta passou a abranger 70% do esgoto do município; o serviço de saúde foi melhorado; não faltam vagas nas creches; estradas rurais foram recuperadas; até um programa de coleta seletiva foi criado. O prefeito Eduardo Gaievski encerra seu segundo mandato aplicando cerca de 23% do orçamento na saúde, 25% na educação e menos de 50% na folha de pagamento, como manda a Lei de Responsabilidade Fiscal. E tudo isso sem endividamento. Gaievski diz que a mágica é simples: se não houver desvios, o orçamento do município dá para tudo.
Gaievski vem do setor privado, tendo construído uma carreira sólida em multinacionais como Pepsi Co., Kraft Foods e Fox Filmes do Brasil. Em 2002 sofreu um grave acidente de carro na Nova Zelândia. Diz que isso mudou sua vida e o fez voltar à sua cidade natal. Já conhecia o trabalho da Amarribo através de amigos e começou a fiscalizar o poder público. “Até xerox se roubava aqui”, conta. Em 2004, candidatou-se a prefeito em uma chapa sem aliados, contra uma coligação de dez partidos. Para surpresa geral, o azarão que estava fora da cidade há 18 anos venceu e começou uma gestão profissional. Elaborou o plano diretor participativo, implantou orçamento participativo, apresentou projetos para receber verbas federais, conseguiu trazer até um dos campi da Universidade Federal da Fronteira Sul.
Dar transparência às contas públicas foi uma de suas primeiras ações como prefeito. Mandou instalar um mural no cruzamento das duas principais avenidas da cidade, no qual, mensalmente, publica o balanço das contas do município. No site da prefeitura, é possível acessar informações do orçamento e, caso alguém tenha dúvidas, basta ligar para o celular do prefeito, igualmente publicado no site. A reportagem fez o teste, e foi ele mesmo quem atendeu.
Com sua experiência no setor privado, levou o planejamento para dentro da gestão pública, atento aos mínimos detalhes – até mesmo a compra de denta- duras e óculos, moeda corrente para compra de votos, foi planejada e licitada conforme a demanda. “Não adianta discursar e não ter serviços de qualidade para a população. Se a pessoa vai à escola e não tem vaga, o discurso vai por água abaixo”, diz Gaievski. Prestes a entregar o cargo em seu segundo mandato, Gaievski não receia ver retrocessos. “A partir do momento em que as pessoas são empoderadas, que elas veem que têm poder para decidir, muda sua relação com o poder público.
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