Só é índio quem nasce numa aldeia?
Eron Bezerra
Tenho acompanhado com apreensão o debate que se trava acerca de eventuais fraudes na emissão de RANI (Registro Administrativo de Nascimento Indígena), que vem a ser o documento expedido para quem se autodeclara índio e pelo qual passa a gozar das prerrogativas e das limitações que o mesmo estabelece, fato que geralmente é desconhecido.
A expedição desse documento, regulamentado pela Portaria FUNAI Nº 003, de 14 de janeiro de 2002, com base no Estatuto do Índio (Lei 6.001/73) tem por regra a auto declaração, na medida em que entendeu o legislador ser o mecanismo mais viável para a realidade desses povos. Pode ser requerido em qualquer época. Assim, não deveria parecer estranho que alguém com, digamos, 30 anos, procure um posto da FUNAI, se declare índio e requeira o seu RANI.
Por que a polemica então?
Na verdade há uma razoável falta de conhecimento sobre o assunto. Ainda tem gente que associa a definição de índio a atraso tecnológico, local de nascimento e moradia, como se essa denominação (aliás, totalmente inadequada) fosse privativa de quem vive ou nasceu numa aldeia. A bem da verdade trata-se de povos de diversas etnias (Tupiniquin, Guarani, Kaingang, Paritintins, Yanomami, Cinta Larga, Baldus, Tapirapés, Xingús,Tupinambás, Aimoré, Akuntsu, Anambé, Apynaié, Apurinã, Arara, Araweté, Ashaninka, Asuriní, Atikun, Atroari, Avá-Coneiro, Awá-Guajá, Baniwa, Bororo, Caetá, Carijó, Deni, Enawenê-Nawê, Fulni-Ô, Gavião, Goitacá, Guajajara, Hixkaryana, Hupda, Ikpeng, Jamamadi, Jarawara, Juma, Juruna, Kaapor, Kadiwéu, Kalapalo, kamayurá, Kambiwá, kanela, Karajá, Kariri-Xocó, karipuna, Karitiana, Katukina, Kaxarari, Kaxinawá, Kayapó, Krahô, Kuikuro, Kulina, Makuxi, Mamaindé, Marubo, Matis, Matipu, Maxakali, Mayoruna, Mehinako, Munduruku, Nadeb, Nambikwara, Paylikur, Pankaru, Pareci, Pataxó, Potiquara, Rikbaktsa, Sateré-Mawé, Suruí, Suyá, Tabajara, Tembé, Temininó, Tamoio, Tenharim, Terena, Ticuna, Tiriyó, Tremembé, Truká, Tupinambá, Waiana-Apalai, Wai-wai, Waiãpi, Waimiri Atroari, Waurá, Xavante, Xetá, Xokleng, Xucuru, Yawalapiti, Ye'kuana, Yuhup, dentre outros), usualmente denominados “índios” talvez pela semelhança física com os indianos, como imaginou o colonizador português.
Se entendermos “índio” como etnia essa confusão desaparece. Por etnia, do grego ethnos, se entende um povo com características próprias culturais, históricas, linguísticas, artísticas e religiosas, por exemplo. Enquanto uma determinada pessoa mantiver esses traços ele estará indissociavelmente ligado a sua etnia, a qual desaparecerá naturalmente pela miscigenação.
Como é sabido, quem se declara índio goza de determinadas prerrogativas como as reservas indígenas, assistência médica específica e até mesmo cotas universitárias em alguns estados brasileiros. Mas também passa a sofrer determinadas restrições. A primeira delas é em relação à própria reserva indígena, cuja terra não pertence aos índios e sim a União, da qual eles podem dispor apenas para usufruto e assim mesmo mediante expressa autorização da FUNAI.
Um trabalhador rural, por exemplo, se desejar obter um financiamento com juros subsidiados para desenvolver qualquer atividade produtiva no campo basta procurar um escritório de assistência técnica ou o sindicato de trabalhadores rurais e solicitar uma DAP (Declaração de Aptidão ao Pronaf) para obter o recurso financeiro. Mas um índio só pode obter essa DAP se for emitida pela FUNAI, o que torna altamente restritivo, por exemplo, a sua atividade produtiva.
Tenho certa dificuldade de entender como alguém se autodeclararia índio sem ser, na medida em que além das restrições já elencadas, ainda hoje perduram outras, de natureza moral, como o preconceito e a descriminação que eu não creio ser atrativo para nenhuma pessoa. Até o presente o que se observa é muito “índio” negando as suas raízes e não outros querendo assumir a condição de índios, fenômeno aliás já registrado com outros grupos historicamente
Vermelho
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