Leonardo Boff
Ele não se propôs fundar uma nova religião. Nem pretendeu que as pessoas fossem mais religiosas. Mas o que de fato quis, foi que todos, com a religião ou sem ela, fossem mais humanos, solidários, fraternos, justos, amorosos e misericordiosos
A Semana Santa nos convida a pensar sobre o sentido maior de nossas vidas à luz daquele que foi radicalmente humano e por isso também divino. Ele não se propôs fundar uma nova religião. Nem pretendeu que as pessoas fossem mais religiosas. Mas o que de fato quis, foi que todos, com a religião ou sem ela, fossem mais humanos, solidários, fraternos, justos, amorosos e misericordiosos.
Para Jesus não bastava ser bom. Tinha que ser misericordioso. Só assim seria plenamente humano. O Deus que anunciava era um Pai bom mas principalmente era um Pai misericordioso. Sentir a dor do outro, abaixar-se até o seu nível e compreender sua vulnerabilidade sem logo julgá-la, constituía a originalidade de sua mensagem.
Ela é atualíssima. Num mundo cruel e sem piedade, onde nações são arrasadas pela voracidade do capital que as mergulha em dívidas, como se faz urgente e necessária esta virtude escandalosa e tão radicalmente humana que é a misericórdia. Precisamos trazer de volta a figura do Pai bom mas fundamentalmente misericordioso.
Se há um eclipse da figura do pai na sociedade moderna, há também uma saudade por sua volta, já testemunhada há séculos por Telêmaco, filho de Ulisses, na Odisséia de Homero: “Se aquilo que os mortais mais desejam, pudesse ser conseguido num abrir e fechar de olhos, a primeira coisa que eu quereria, seria a volta do pai”. Curiosamente esta volta é augurada pelo Cristianismo, numa página memorável de São Lucas ao falar da volta do pai ao filho pródigo.
Para compreender esta volta do pai, importa situar a parábola no contexto da prática e da proposta de Jesus. É um dado historicamente assegurado que Jesus circulava entre pessoas de má companhia e que comia com elas. Comer era considerado, para os critérios do tempo, um sinal de amizade. Naturalmente provocava escândalo entre as pessoas piedosas que passavam a criticá-lo.
Por que Jesus assumia um comportamento assim ambíguo? Responder a isso é identificar sua experiência espiritual e sua forma de entender Deus. Jesus experimentou um Deus que é Pai de infinita bondade e que, por isso, assumiu características de mãe: acolhe a todos, a bons e a maus e revela uma misericórdia ilimitada. A forma como Jesus expressa a misericórdia de Deus é ser ele mesmo misericordioso, coerente com o que aconselhava aos outros: “sede misericordiosos como vosso Pai é misericordioso”. Em razão disso, se misturava às pessoas de má fama para que, em contacto com ele, pudessem sentir a misericórdia divina.
Para facilitar a compreensão dos piedosos que se escandalizavam, narra três parábolas: a da moeda perdida, a da ovelha desgarrada e a mais conhecida de todas, a do filho pródigo. Cada parábola termina com estas palavras consoladoras: “alegrai-vos comigo porque encontrei a ovelha desgarrada, a moeda perdida e porque este meu filho estava morto e voltou à vida, estava perdido e foi encontrado”.
Precisamos ser duros de coração e faltos de espiritualidade para não apreciarmos essa experiência de Deus como Pai de misericórdia. Como o amor é incondicional, incondicional é também a misericórdia. Nisso a parábola do filho pródigo é explícita. A novidade não reside no fato de o filho voltar ao pai, depois de haver esbanjado tudo e se encher de remorsos e de saudades. A novidade reside no fato de o pai voltar ao filho: ao vê-lo na curva da estrada, o pai corre-lhe ao encontro, lança-se ao pescoço e cobre-o de beijos. Não lhe cobra nada. Ao contrário, prepara-lhe uma festa.
Com isso Jesus quis deixar claro: Deus é um Pai materno ou uma Mãe paterna que sempre volta para os filhos e filhas, por malévolos que sejam, porque nunca lhe saem do coração.
As Igrejas, diferentes de Jesus, raramente se voltam para as pessoas para que façam uma experiência de misericórdia. Antes, continuam a aterrorizar as consciências com as chamas do inferno. Escolhem o caminho do moralismo, reforçando o medo que mantém cativa a liberdade e torna triste a vida.
Jesus mesmo denuncia essa atitude, presente no filho bom que ficou em casa, à sombra do pai. Ele se nega a voltar para o irmão. Quer a observância da norma e a aplicação do castigo. Esse filho bom é o único a ser criticado por Jesus. Para Jesus não basta sermos bons. Importa sempre voltar para o outro e mostrar amor e misericórdia.
Pai e filho voltam um ao outro: fecha-se o círculo e irrompe então a irradiação da plena humanidade.
Brasil de Fato
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