sexta-feira, 4 de setembro de 2009

SOBRE COMUNISTAS E TRAFICANTES



Ao narrar a trajetória de Prestes, em “Cavaleiro da Esperança”, Jorge Amado assim descreve a prisão após a chamada Intentona Comunista de 1935:
“Uma célula à prova de fuga. Escura, fria e doentia. Com guarda à vista, num pátio próximo, com um tira ao lado. Nenhuma visão humana lhe é permitida. Nenhuma visão da natureza tampouco. Durante os dois primeiros anos, os anos da Polícia Especial, nem um jornal, nem um livro, nem um lápis com que escrever.”
Nada lhe era permitido, nem escrever para seus familiares, nem receber visitas, nem falar com seu advogado, o que dificultava a confecção das peças de defesa dos inúmeros processos que lhe foram impostos.
Isso causou repúdio naquela época, quando a teoria dos direitos humanos ainda dava seus primeiros passos, tanto que a pressão popular e internacional exercida graças à batalha incansável de D. Leocádia o transferiria para a Casa de Correção e depois para Ilha Grande.
Naquele momento o Brasil era governado por Getúlio Vargas que a partir de 1930 alcança a Presidência da República, instaura uma ditadura e acaba com os direitos e as garantias fundamentais, com a criação de uma polícia fascista que estende seus tentáculos até os dias atuais.
Muito tempo se passou até a Lei 10.792, de 1º de dezembro de 2003, promulgada pelo presidente Lula, que muda as regras processuais sobre o interrogatório, acaba com a obrigatoriedade da realização do exame criminológico, para fins de livramento condicional e progressão de regime, e cria o RDD - Regime Disciplinar Diferenciado.
O RDD é destinado ao preso, inclusive o provisório, que comete falta disciplinar grave consistente em motim ou rebelião ou sob o qual recaia séria suspeita de participação em organização criminosa. Uma vez dentro do RDD, o interno fica em cela individual durante todo o tempo, tendo apenas 2 horas de banho de sol por dia. A visitação é semanal e limitada a membros da família, com duração também de 2 horas. O RDD pode durar de 360 dias até 1/6 da pena.
Esta nova-velha idéia veio à tona após uma série de rebeliões e motins e o assassinato de dois juízes no Estado de São Paulo como resposta a fim de punir os participantes.
Legalizaram, então, todas as práticas de segurança penitenciária, além de dar margem para outras tantas. Cria-se enormes dificuldades para que o preso seja atendido por seu advogado, com a imposição de horários e locais de atendimento. Limita-se o acesso a determinadas coisas como jornais, revistas etc. Restringe-se o número de pessoas que podem visitá-lo, a partir, por exemplo, do estabelecimento da “pessoa amiga” pela Portaria da Secretaria de Administração Penitenciária do Rio de Janeiro.
A dificuldade é legalizada também através de um mecanismo que vem legitimar a punição disciplinar: o procedimento para averiguação de falta. Neste, as brechas da legislação só servem para que os agentes de segurança penitenciária inventem a todo o momento novas condutas faltosas. No Estado do Rio, por exemplo, existe um preso que respondeu a um procedimento deste, pois estava de posse de uma revista Playboy e outro por estar de posse de uma tinta de cabelo, e ambos foram encaminhados para o isolamento!
Em 2003 fazia um ano do governo do presidente operário, 14 anos da primeira eleição direta para presidente da república, Congresso aberto, imprensa livre, enfim, instituições funcionando. Ainda assim, a situação continua a mesma: preso incomunicável, cela escura e fria, sem acesso à família, sem acesso à natureza, sem trabalhar, ler ou escrever. Apenas tentando não ficar louco, resistindo sempre.
Luiz Carlos Prestes resisitiu. Não ficou louco.
Os presos de Bangu III – primeiros a serem colocados em RDD no Estado do Rio de Janeiro, também.
Não se sabe se resistiriam a coisas piores a julgar pelas vidas que levaram até aqui. A imposição de uma vida sem escolhas onde o ter é maior que o ser, onde não há perspectivas, que transforma a sobrevivência numa guerra sem fim.
O que importa é que o Estado ainda insiste em tratar os movimentos de resistência da mesma forma: decepando seus líderes e torturando os participantes. Sem entendimento, sem debate, sem conversa, sem que haja um diálogo para a construção de propostas sérias no sentido de realmente enfrentar o problema e tentar resolvê-lo. Ao revés, a Era Vargas continua viva, e agora legalizada!

Renata Tavares é defensora pública no Estado do Rio de Janeiro

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