segunda-feira, 5 de abril de 2010

‘A droga destrói a sociedade’ diz Coordenadora do Programa de Assistência ao Egresso e ao Apenado (Pró-Egresso)




A doutora em Psicologia, Maria Thereza Claro Gonzaga, coordenadora do Programa de Assistência ao Egresso e ao Apenado (Pró-Egresso), desenvolvido pela Universidade Estadual de Maringá (UEM), há 24 anos, tem uma visão pessimista do futuro. Para ela, sem uma mudança radical, que dê atenção às pessoas, combata o uso de drogas em todos os níveis e garanta direitos humanos e fundamentais a todas as pessoas, estará instalado o caos.

“O crime organizado vai dominar a sociedade”, enfatiza. Usando como tela a cena do político corrupto colocando o dinheiro da propina nas meias, Maria Thereza comenta que atualmente é difícil diferenciar o cidadão comum do bandido e avalia que no futuro isso será ainda mais complicado.

De acordo com ela, que trabalha com presos recém-saídos da prisão e que cometeram todo tipo de crime, é lamentável que as pessoas ainda confundam preconceito com criminalidade. A psicóloga lembra que em nosso País as pessoas “tem cara de bandido” e garante: “bandido não tem cara. Isso é preconceito”.

Na opinião da professora, quem tem cara de bandido, segundo o senso comum, é preto e pobre. O que provoca distorções, porque quando os protagonistas dos fatos fogem desse perfil, o comentário é: “Ah, tinha uma cara tão boa, não pensei que pudesse fazer uma coisa destas”. Maria Thereza afirma que a vida não é tão simples quanto parece.

“O índice de reincidência entre os envolvidos com drogas é de quase 100%, independente do delito. Não temos pesquisa que mostre, mas há muitos delitos em que a droga levou ao crime e não o contrário’’. “Frase’’.

O Diário - Quais são as causas para o baixo índice de reincidência das pessoas assistidas pelo Pró-Egresso?

MARIA THEREZA - Acreditar nas pessoas e ter paciência. A gente trabalha muito com redução de danos. Não é uma teoria muito aceita pela sociedade, mas necessária. Se a gente conseguir que o ex-preso mude as companhias, melhore o relacionamento com a família, consiga um trabalho, mesmo que temporário, é uma vitória. É uma luta complicada. Nosso trabalho busca evitar que essas pessoas sejam mais marginalizadas do que já são.


O Diário - Todos os presos são recuperáveis?

MARIA THEREZA - Ninguém é mau, nem bom por inteiro. Todos temos os dois lados. Tratamos todo mundo bem, como todo cidadão merece, independente do crime. Queremos que todos sejam respeitados e tenham os direitos fundamentais garantidos. Lutamos para resgatar a autoestima. Falando assim parece um trabalho fácil, mas não é.


O Diário - Qual variável altera essa equação?

MARIA THEREZA - O fator droga. O índice de reincidência entre os envolvidos com drogas é de quase 100%, independente do delito. Não há uma pesquisa que mostre, mas há muitos delitos em que a droga levou ao crime e não o contrário.


O Diário - Qualquer tipo de droga?

MARIA THEREZA - Qualquer uma. Do álcool ao crack, mas hoje em dia o crack predomina. É uma droga terrível, que infesta tudo. Um detalhe: nas favelas, dominadas por grandes traficantes, não se vende crack, nem se admite usuários.


O Diário - Por quê?

MARIA THEREZA - Porque o crack mata. Extermina a clientela. Então eles não permitem. Sem contar que é a sujeira da cocaína, não vale nada, não dá dinheiro. Se não for feito um trabalho para controlar essa droga a vida no futuro vai ser horrorosa.


O Diário - Com o sistema prisional que temos, um preso sai recuperado ou pior?

MARIA THEREZA - Nós trabalhamos com ex-presos e condenados a penas alternativas e dá para sentir a diferença. Uma coisa é você passar pelo sistema prisional. Outra é estar livre dele. Quem vive em um presídio tem mais inclinação para voltar ao crime. O que observo é que nem todo mundo que está preso deveria estar. Poderia cumprir pena em regime aberto ou ter uma outra forma de punição, facilitando a reinserção social.


O Diário - Como é na Penitenciária Estadual de Maringá?

MARIA THEREZA - O trabalho até que é bom. As pessoas são bem tratadas, trabalham, têm acesso aos estudos, mas é um caso. No geral, o sistema penitenciário está falido. Penitenciárias são depósitos de gente.


O Diário - A senhora avalia que faltam prisões?

MARIA THEREZA - Não adianta construir mais prisões. É preciso atacar o problema na raiz. O crime organizado é comandado de dentro dos presídios de segurança máxima. Veja o que fizeram em 2006. Olha a força e a capacidade de organização destas pessoas. De dentro de presídios, com comunicação restrita, pararam São Paulo.


O Diário - O crime organizado é um sistema político?

MARIA THEREZA - Praticamente. Da maneira como vamos, no futuro quem vai comandar a sociedade são as pessoas que hoje consideramos de alta periculosidade. Porque são as mais organizadas. Se as políticas públicas copiassem a organização deles, seriam bem-sucedidas. Nosso sistema político é individualista. Um quer passar a perna no outro. Agora entre os traficantes, um cuida do outro, não importa se o vizinho é bandido ou não. Todo mundo é irmão e a coisa funciona. Na nossa sociedade é o contrário.


O Diário - A senhora é uma defensora dos direitos humanos?

MARIA THEREZA - Sou.


O Diário - E já sofreu algum tipo de violência?

MARIA THEREZA - Já. Uma coisa que me marcou muito foi encontrar no presídio os meninos que mataram o professor Cezar. Era um amigo nosso, aqui do departamento, muito querido...


O Diário - Como foi?

MARIA THEREZA - Não estou aqui para julgar. A gente tem que saber conviver com esse antagonismo. A gente fica com raiva, mas tem que parar para pensar. Violência a gente sofre a todo o momento. Não é só agressão física. Quando roubaram um toca-CD do meu carro, que eu nem tinha acabado de pagar, fiquei com muita raiva, mas depois, analisando, a gente entende. Nessas horas tem que ser profissional. Bom profissional sabe a hora de entrar, de lutar e de sair. No dia em que eu parar de me indignar com o que acontece à minha volta está na hora de sair. A partir do momento em que usar juízo de valor para julgar as pessoas, não sirvo mais para este trabalho. Tenho que entender e não culpar. Quem sou eu para julgar!


O Diário - Mas é difícil viver a experiência, não é?

MARIA THEREZA - Você só entende as pessoas a partir do momento em que você deixa ser a vítima e passa a ser o agressor. É sempre o filho do vizinho que é veado, drogado, tem câncer, Aids. Filho da gente não. Para coisa complexas, a análise também tem que ser complexa. Eu assisto nas emissoras de televisão pessoas que criticam os drogados, os alcoólatras, mas o fazem porque não têm um em casa. A partir do momento em que deixa de ser o filho do vizinho, o comportamento muda.


O Diário - Como a senhora vê as críticas aos defensores dos direitos dos presos?

MARIA THEREZA - Quem critica que vá lá ver. Vá lá conviver com eles. Aquilo é outro mundo, é outra vida. Tem que conhecer para entender. A gente vê falar em educação para tudo, menos em educação para os direitos humanos. Direitos humanos não são apenas para uma camada populacional, são para todos. Além disso, tratar mal o preso na cadeia não é solução. Eles vão sair um dia e vão voltar para a rua. E vão voltar pior. Quem vai pagar o pato serão nossos filhos, nossos netos. A gente faz este trabalho para evitar o preconceito. Não importa o tipo de delito cometido, a pessoa tem que ser bem atendida, independente do delito cometido.


O Diário - O que a senhora imagina como um sistema prisional ideal?

MARIA THEREZA - Acho que deveria haver separações para os diversos tipos de crime. E antes de tudo começar com um combate mais efetivo ao tráfico e ao consumo de drogas. Separar os grupos e tratar cada qual de acordo com o problema ou o crime. Tem quem comete um assassinato influenciado por droga, outro por álcool, outro por emoção, enfim há muitas diferenças. Cada caso é um caso e é preciso ter um tratamento diferenciado.


O Diário - Existe algum país com um sistema ideal?

MARIA THEREZA - Não conheço. Todo mundo fala em prender. Prender não resolve. Veja as prisões do Japão, são modelo, mas as crianças se matam porque vão mal na escola.


O Diário - A solução não é prender?

MARIA THEREZA - Não. E depois, há uma injustiça aí. Uns pagam outros não.


O Diário - O que a senhora pensa da pena de morte?

MARIA THEREZA - Sou radicalmente contra. Não é a solução.


O Diário - Qual é a solução?

MARIA THEREZA - Não tem solução. A grande saída é um processo social mais educativo a partir da base, das crianças e das famílias.

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