quarta-feira, 7 de abril de 2010

Defensor Público critica a Justiça

Justiça dos ricos contra os pobres


O Brasil é mesmo o país dos contrastes: rico, porém, com uma população pobre. Onde quem tem mais “chora menos”. E é assim que tem sido desde os tempos da Proclamação da República em 1889. De lá para cá, o que se vê é uma enxurrada de injustiças.

Atualmente, dólares na cueca, real nas meias, autoridades envolvidas em desvio de dinheiro, milhões enviados para paraísos fiscais e tantas outras falcatruas expostas quase que, semanalmente, na mídia. Porém, para quem tem dinheiro, bons advogados e influência pode ficar impune. E por que não falar da brecha da lei? O Habeas Corpus Preventivo (evita a prisão), pode manter a liberdade de quem está envolvido em atos ilícitos, antes mesmo que seja expedido um mandado de prisão. Por outro lado, quem não tem condições de contratar um advogado sofre. Muitas pessoas estão ou já estiveram atrás das grades por crimes de pequeno potencial ofensivo. No Rio Grande do Norte, por exemplo, um homem passou três meses preso por ter furtado dois jerimuns. Duas mulheres foram detidas e passaram mais de 90 dias na cadeia por terem tentado furtar dois quilos de charque e um litro de azeite. Outro homem foi parar na cadeia e lá permaneceu 16 dias por ter furtado R$ 37 de um ônibus. Mas o que acontece?

Manoel Sabino, defensor público, considera absurda a prisão de alguém que roubou um jerimum

Um caso emblemático no Rio Grande do Norte é o que ficou conhecido como Foliaduto, envolvendo figuras do alto escalão do governo do Estado. Apesar do desvio de mais de R$ 1 milhão com a contratação de shows fantasmas, segundo levantamento do Ministério Público, até agora ninguém foi preso ou condenado.

O defensor público Manoel Sabino explica que um processo movimenta toda a máquina estatal e que é um absurdo prender alguém por um furto de alimentos. “O que chega até nós é o chamado ‘ladrão de galinha’. E os homicídios? Os assassinatos não são solucionados. O que é pior? Um furto ou um assassinato?”

O processo de número 002.09.001537-3 é referente ao homem que furtou, em um mercadinho da Zona Norte, dois jerimuns. A identidade do acusado não será revelada porque o juiz Rosivaldo Toscano, titular da 2ª Vara Criminal do Fórum Varella Barca extinguiu o processo. O delito foi cometido no dia 20 de junho de 2009. Diante da prisão em flagrante e do processo, o defensor avaliou o caso: “Um quilo de jerimum custa R$ 0,40. Procurei no Guinness Book (livro dos recordes) e o maior jerimum do mundo pesava 32 quilos e foi encontrado em uma plantação em São Caetano (PE)”, analisa e argumenta: “Mesmo que o acusado tivesse levado para casa o maior jerimum do mundo, ainda assim, ele teria furtado R$ 13,00. O acusado ficou detido em uma delegacia de Natal durante 90 dias”

Manoel Sabino explica que o custo de um processo pode variar. Os que tem o valor mais baixo ficam entre R$ 1.500 e R$ 3 mil.

Mas os absurdos não param por aí, o processo de número 002.09. 002075-0 referente a prisão de duas mulheres que em 5 de agosto de 2009 subtraíram dois quilos de carne de charque e um litro de azeite de um supermercado, na Zona Norte é mais um dos casos que vale atenção. O total do furto foi de R$ 52,90. Ambas ficaram três meses presas até o defensor público Manoel Sabino analisar o processo e pedir a absolvição das acusadas ao juiz Rosivaldo Toscano que as liberou.

O processo de número 002.10. 000.707-6 é referente à um homem que dentro de um transporte coletivo furtou R$ 37. O crime ocorreu este ano e até Manoel Sabino receber o processo e avaliar a situação, o acusado permaneceu 16 dias confinado com marginais de alta periculosidade.

Sabino revela que casos de relevância só são levados até o fórum quando o acusado é preso em flagrante. “Raros são os processos de presos que chegam até nós por terem sido detidos, por meio de investigação policial”

Sabino conta que no Estado da Paraíba um caso chamou a atenção. O ex-governador Ronaldo Cunha Lima em 1994, dentro de um restaurante na capital paraibana, atirou no ex-governador Tarcísio Buriti. “Foi tentativa de homicídio, mas Ronaldo nunca ficou atrás das grades. Durante a madrugada, ele acordou o ministro do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) e conseguiu um Habeas Corpus”. Sabino lembra: “Passados 16 anos, Ronaldo sequer foi julgado.”

Eficácia depende de vários fatores

Para o especialista em Processo Penal, Direito Penal e Criminologia, Demétrio Dantas a criminalidade é, provavelmente, um dos fenômenos de maior complexidade na história da evolução humana. “Não podemos permitir que haja inversão na questão da segurança. O cidadão não pode ficar preso e o criminoso solto. Isso é prejudicial para qualquer sociedade organizada ou não. Infelizmente o Brasil caminha nesse sentido”.

Questionado se o artigo 5º da Constituição Federal (especifica que todos são iguais perante a lei) não está mais sendo cumprido em sua totalidade, Demétrio diz que a chamada Constituição Cidadã de 1988, tem muita valia nos dias atuais. Para o especialista, hoje o Brasil é um Estado Democrático de Direito, submetido ao julgo do texto constitucional. “O princípio da isonomia (igualdade) está consagrado. Todos são, verdadeiramente, iguais. Mas, o que acontece no Brasil é fruto do abismo social que nos encontramos. Quem tem dinheiro é tratado de forma diferenciada. Quem tem poder aquisitivo pode mais”.

Demétrio explica que para combater a criminalidade é necessário políticas públicas. “Saúde, educação, oportunidade, lazer, iluminação pública, uma polícia remunerada e preparada para ajudar a diminuir a violência. Temos que parar de exigir leis mais rígidas e começar a lutar por ações”.

Ele afirma também que o Código Penal é arcaico, mas que as leis são postas e só evoluem diante de alguma reforma. “As leis brasileiras são boas, duras. Mas a eficácia depende de vários fatores. Um policial comprometido com a investigação, um membro do Ministério Público eficaz, um advogado de defesa competente e um juiz imparcial, conduzem a eficiência do sistema de normas”.

Tribuna do Norte

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