terça-feira, 7 de junho de 2016

Auto da fé


Siro Darlan
 
Os moradores do Rio de Janeiro que nunca assistiram um Auto de Fé terão oportunidade de ver em pleno Século XXI essa pratica medieval quando a Inquisição marcava a leitura em praça pública a leitura das sentenças dos réus que após terem sido delatados não admitiam seus erros para que os processos fossem arquivados. Trata-se de um julgamento de quatro magistrados que ousaram fazer uso da liberdade que qualquer indivíduo tem assegurado constitucionalmente de manifestar opiniões, ideias e pensamentos. Embora se trate de um direito humano reconhecido internacionalmente e consagrado na Carta do Brasil de 1988,sobretudo sobre temas políticos e questões públicas, ainda há magistrados tendo sua independência tolhida por ferramentas medievais como esse procedimento.

Ao tentar criminalizar o direito à liberdade de expressão e penalizar juízes por haver em manifestado seu pensamento, o judiciário está explicitando sua vocação antidemocrática. Já testemunhamos magistrados sendo processados em razão de suas decisões judiciais que não se coadunam como “catecismo” excludente e punitivo. Uma desembargadora está sendo processada por haver dado liberdade para um preso que já havia cumprido pena. Juízes foram processados por ostentarem em seus gabinetes obras de arte sem o “Nihil obstat”da Superior Administração. Agora tentam através de processos coercitivos vestirem determinados magistrados com o sambenito que os marcará para sempre com a condenação pela heresia de haver se manifestado.

A simples instauração desse procedimento, que certamente não levará esse vergonhoso desiderato, já representa que o judiciário, o poder da república mais monárquico e retrógrado, precisa se livrar do “ranço autoritário” que fez legitimar diversos atos de arbítrio durante o período da ditadura e através desse “controle ideológico”, que resulta em perseguição a alguns juízes,desejam manter tais métodos medievais como sinal de um poder inexpugnável e sem amarras na Constituição e nas leis que juramos cumprir e fazer cumprir. Não é aceitável que ainda haja esse controle ideológico e que, em pleno estado democrático de direito ainda existam juízes com sua independência funcional tolhida por amarras administrativas.

Nossa esperança é que esse espetáculo de jogar juízes aos leões em pleno século XXI esteja no final e que a sociedade não acolha nem apoie atos capazes de transformar juízes em agentes de um autoritarismo sem limites. Aproveitem os fatos como esse para democratizar o judiciário propiciando que todos os juízes de todas as instâncias votem e escolham seus administradores, participem democraticamente do processo administrativo compondo as diversas comissões administrativas e que esse vendo de democracia ponha um fim a esse macarthismo ideológico.

* Desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e Membro da Associação Juízes para a Democracia.


Jornal do Brasil


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